Passaporte para o mundo dos sonhos

Você acha que seus sonhos e fantasias são um território proibido para estranhos? Pois esses limites podem estar com os dias contados. Um método desenvolvido por pesquisadores norte-americanos consegue identificar imagens vistas por um indivíduo a partir de medições de sua atividade cerebral. No futuro, a técnica poderá permitir a reconstrução de experiências visuais e até o acesso ao conteúdo de fenômenos puramente mentais, como sonhar e fantasiar.

A equipe do pesquisador Jack L. Gallant, do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos), desenvolveu um processo para decodificar as informações processadas no córtex visual humano. Por enquanto, o método permite apenas identificar qual imagem específica, dentro de um grupo de fotografias, uma pessoa viu em determinado momento.

Na primeira etapa do estudo, os cientistas usaram a técnica da visualização por ressonância magnética funcional para medir a atividade no córtex visual de voluntários enquanto eles olhavam 1.750 fotografias escolhidas ao acaso. A partir dos dados obtidos, foi desenvolvido um modelo computacional que descreve como os estímulos visuais são representados no padrão de atividade cerebral do córtex visual.

Em seguida, a visualização por ressonância magnética funcional foi usada para medir a atividade cerebral induzida nos indivíduos ao observarem um grupo de 120 novas fotografias, também escolhidas ao acaso. Então, os cientistas aplicaram o modelo desenvolvido na etapa anterior para prever o padrão de atividade cerebral evocado por cada uma das 120 fotografias e, assim, identificar qual delas foi vista pelo observador. A imagem cujo padrão de atividade previsto tinha maior correlação com o padrão de atividade medido no momento da observação era selecionada.

Os pesquisadores desenvolveram um modelo computacional capaz de prever o padrão de atividade cerebral evocado por fotografias mostradas aos indivíduos. As imagens, representadas em tons de cinza, ficavam dentro de um círculo sobre um fundo cinza (imagem: Nature).

Segundo Gallant, os experimentos de identificação foram muito bem sucedidos. Em um grupo de 120 imagens, o decodificador identifica uma corretamente em cerca de 90% das tentativas. Se o grupo aumenta para mil imagens, a performance fica em torno de 80%. “Nossas estimativas sugerem que, mesmo com um grupo de bilhões de imagens (aproximadamente o número de imagens indexadas pelo Google na internet), o decodificador identificaria corretamente a imagem em cerca de 20% das vezes”, afirma o pesquisador em comunicado à imprensa.

Estudos anteriores já tentaram interpretar experiências visuais a partir de imagens de ressonância magnética funcional, mas apenas foram capazes de decodificar informações muito mais simples. Além disso, exigiam que os modelos fossem preparados a partir dos mesmos objetos em que seriam testados depois.

Da identificação à reconstrução
“Nossos resultados sugerem que poderá ser possível em breve reconstruir a imagem da experiência visual de uma pessoa a partir de medições da atividade cerebral somente”, dizem os autores no artigo que descreve o estudo, publicado na Nature desta semana. Para isso, será preciso melhorar a tecnologia de visualização por ressonância magnética de forma a aumentar a qualidade dos dados obtidos.

“Um dia pode ser possível até reconstruir o conteúdo visual dos sonhos ou das fantasias visuais”, estima Gallant. Ele explica que seu modelo computacional fornece um relato funcional da percepção visual. Mas ainda não se sabe se processos como sonhos, memórias e fantasias são percebidos no cérebro de maneira funcionalmente similar à percepção. “Se isso ocorrer, então as técnicas desenvolvidas nesse estudo poderão ser usadas para decodificá-los.”

Segundo Gallant, o decodificador visual poderia ser usado para identificar o conteúdo de experiências de percepção em tempo real, estudar processos mentais como a atenção e entender como o cérebro representa a informação sensorial.

“Além de seu valor como ferramenta de pesquisa básica, aparelhos capazes de decodificar a atividade cerebral poderiam ser usados para auxiliar no diagnóstico de doenças (como derrame cerebral e demência) ou para estimar os efeitos de intervenções terapêuticas (com drogas, com células-tronco)”, diz. Outra possível aplicação é a construção de uma interface máquina-cérebro, para conduzir um braço mecânico ou outro aparelho a partir da atividade cerebral.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
06/03/2008