Pássaros bons de dança

A cacatua Snowball (‘Bola de neve’, em inglês) balança a cabeça e os pés no ritmo de músicas com a batida marcada (reprodução / Current Biology).

Acompanhar com o corpo a melodia de uma canção não é um privilégio dos seres humanos. Dois estudos norte-americanos revelam que cacatuas e papagaios-cinzentos também conseguem perceber o ritmo de uma música e balançar a cabeça e as patas de forma sincronizada. A descoberta dá pistas importantes sobre a origem dessa habilidade.

Os resultados desses estudos, publicados em dois artigos esta semana na revista Current Biology, corroboram a hipótese de que a percepção musical e a sincronização motora são derivadas da capacidade de mimetismo vocal, e não uma adaptação biológica específica.

A conclusão dos dois grupos foi tirada a partir da observação de uma cacatua (Cacatua galerita eleonora) e um papagaio-cinzento (Psittacus erithacus) — espécies de pássaros canoros, em que o mimetismo vocal é presente. Além dessas aves, mamíferos como o elefante, o golfinho e a baleia também são capazes de imitar sons.

O primeiro grupo, liderado por Aniruddh Patel, do Instituto de Neurociências, em San Diego (Califórnia), fez experimentos com a cacatua Snowball (‘Bola de neve’ em inglês), descoberta por meio de um vídeo do YouTube em que a ave balançava a cabeça e os pés de acordo com a batida de uma música. Os cientistas tocaram a música “Everybody”, do grupo pop Backstreet Boys, em 11 tempos diferentes, para estimular o animal a dançar e verificar se ele o faria de forma sincronizada em cada ritmo.

Em quatro sessões do experimento, a equipe comparou os momentos em que Snowball balançava a cabeça com o tempo da batida da música e verificou que a cacatua estava sincronizada com os variados ritmos na maior parte do tempo, embora houvesse períodos em que ela estivesse mais rápida ou mais lenta. “Esse padrão de sincronização intermitente da Snowball lembra o de uma criança dançando”, compara Patel, em entrevista à CH On-line.

Velho conhecido

Clique na imagem para assistir ao vídeo de um dos experimentos conduzidos pela equipe de Aniruddh Patel, que fez com que a cacatua Snowball dançasse ao ritmo da música “Everybody”, dos Backstreet Boys, em 11 velocidades diferentes. O grupo concluiu que Snowball dançava de forma sincronizada na maior parte do tempo.

O caso de Snowball também foi analisado no estudo conduzido pela psicóloga cognitiva Adena Schachner, da Universidade Harvard. Sua equipe analisou ainda como reagiam à música um papagaio-cinzento chamado Alex — um velho conhecido dos neurocientistas — e saguis da espécie Saguinus oedipus (que não apresenta mimetismo vocal), para verificar se a habilidade de aprendizado vocal é necessária para a dança.

Os resultados confirmaram a hipótese do grupo: “Enquanto Snowball e Alex mostraram claros sinais de sincronização com a música, nenhum dos macacos fez movimentos sincronizados à batida”, relatam os autores no artigo.

A psicóloga e sua equipe também fizeram uma pesquisa no YouTube, portal em que muitos usuários postam vídeos de comportamento animal. Dos 1019 exemplos analisados, metade era de animais sem a habilidade de mimetismo vocal. Os 33 vídeos que mostraram algum indício de sincronização com a música eram de 15 espécies cuja habilidade de imitar sons é característica: 14 espécies de papagaios e uma de elefante.

O mimetismo vocal foi confirmado pelos dois estudos como fator essencial para a percepção e sincronização musical, mas pode não ser o único. “A capacidade de imitar movimentos não vocais e um forte grau de motivação por interação social podem ser outras habilidades necessárias para a ‘dança’”, explica Patel. “Esse é um tópico importante para futuras pesquisas.”

Dois pra cá, dois pra lá

Clique na imagem para assistir a um vídeo que mostra dois dos pássaros estudados pela equipe de Adena Schachner – o papagaio-cinzento Alex e a a cacatua Snowball – movimentando-se de forma sincronizada com uma música.

Assim como acontece em seres humanos, também é provável que existam pássaros que dancem com ‘mais habilidade’ que outros. Nos vídeos desta reportagem, por exemplo, Snowball exibe movimentos mais sincronizados e duradouros que Alex.

“Futuramente, seria bastante interessante registrar a resposta [cerebral] de pássaros à música, como fazemos com humanos, e em seguida comparar como cada espécie ou indivíduo dança”, comenta Adena Schachner em entrevista à  CH On-line.

Para os pesquisadores, a batida da música também é importante para a percepção desses animais. “Parece que essas espécies de pássaros precisam de uma batida bastante marcada para perceber o ritmo da música, diferentemente de nós, que conseguimos identificar ritmos mais sutis”, argumenta Schascher. De fato, Patel relata que Snowball só dançava músicas com batida forte e clara.

Para que se entenda melhor como os animais percebem a música, mais estudos são necessários. “Precisamos descobrir por que alguns pássaros dançam, enquanto outros indivíduos da mesma espécie não conseguem”, exemplifica a psicóloga. “Como essas espécies também não demonstram esses movimentos comportamento em seu hábitat natural, precisamos saber também se elas têm latente a capacidade de acompanhar um ritmo ou se precisam de alguma experiência específica para dançar.”

O estudo de animais capazes de ‘dançar’, segundo os pesquisadores, é importante para a compreensão dessa habilidade nos seres humanos. “Se é possível em outras espécies que a habilidade de se mover no ritmo de uma música é um subrproduto do mimetismo vocal, é provável que o mesmo tenha acontecido conosco”, especula Schachner. 


Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
30/04/2009