Pegadas dos mais antigos quadrúpedes

Algumas pegadas fossilizadas de 395 milhões de anos descobertas na Polônia podem mudar muito do que se sabe sobre a evolução dos vertebrados terrestres com quatro membros, os tetrápodes. Os fósseis mais antigos desses seres conhecidos até hoje confirmavam a teoria de que os primeiros animais a andar sobre quatro patas tinham surgido no período Devoniano Superior (entre 385 e 359 milhões de anos atrás). Mas as pegadas de tetrápodes encontradas são cerca de 18 milhões de anos mais antigas e pertencem ao período Devoniano Médio.

Além de provar que os tetrápodes surgiram bem antes do que se pensava, a descoberta rompe com a ideia, bem estabelecida entre os paleontólogos, de que os primeiros quadrúpedes teriam se originado a partir dos peixes elpistostegalianos – criaturas que tinham cabeça e corpo semelhantes aos dos primeiros tetrápodes, mas possuíam barbatanas em vez de ‘mãos’ e ‘pés’. O estudo, publicado esta semana na Nature por cientistas da Polônia e da Suécia, revela que as pegadas encontradas são 10 milhões de anos anteriores ao mais antigo fóssil de elpistostegaliano já descoberto.

“A descoberta dessas pegadas joga uma granada no cenário de evolução dos tetrápodes”

Esses resultados mostram que, apesar de ainda ser plausível que os tetrápodes tenham como ancestrais os peixes, os elpistostegalianos não formavam um estágio de transição entre animais aquáticos e terrestres. Segundo um dos autores da pesquisa, o paleontólogo Per Ahlberg, da Universidade Uppsala, na Suécia, os elpistostegalianos eram “verdadeiras relíquias que pararam no tempo, sem evoluir’’.

“A descoberta dessas pegadas joga uma granada no cenário de evolução dos tetrápodes e implica a existência de uma ‘faixa fantasma’, ou seja, um período de tempo em que já existiam tetrápodes, mas para o qual nenhum fóssil de corpo desses animais foi encontrado”, afirma em entrevista à CH On-line o paleontólogo Philippe Janvier, especialista em evolução de vertebrados do Museu de História Natural de Paris (França) e autor de um comentário sobre o estudo publicado na mesma edição da Nature.

 

Confira abaixo um vídeo da Nature com a representação de uma das pegadas fósseis encontradas:

 

Aparência desconhecida

Como não há fósseis desses primeiros tetrápodes, responsáveis pelas pegadas encontradas, não é possível saber como era sua aparência. Mas, pelo tamanho das marcas deixadas no solo, os paleontólogos puderam estimar que os animais tinham cerca de 2 metros e meio de altura e, pela forma das pegadas, eles cogitam que esses primeiros quadrúpedes se pareciam com os anfíbios primitivos Acanthostega e Ichthyostega.

Janvier acredita na possibilidade de que fósseis desses primeiros tetrápodes já tenham sido descobertos, mas não reconhecidos como tal. “Podemos ter esses fósseis em coleções de museus e não termos percebido, porque eles não se parecem com o que imaginávamos”, diz o paleontólogo. 

Além dos rastros bem definidos de ‘pés’ e ‘mãos’, os pesquisadores encontraram algumas marcas alongadas que, segundo eles, seriam impressões aquáticas, deixadas no fundo de uma lagoa por ‘chutes’ dados pelos animais enquanto nadavam. Essas marcas aquáticas indicam que, mesmo com patas, esses tetrápodes ainda flutuavam na água quando precisavam atravessar um solo lodoso, como o de uma lagoa.

Pegada de tetrápode
A imagem mostra uma das pegadas encontradas na Polônia (à esquerda) e uma representação (à direita) de como seria a pata do tetrápode que a deixou para trás (imagem: Nature).

As pegadas foram encontradas nas montanhas Holy Cross, no sudeste da Polônia, uma área que há 395 milhões de anos era uma planície marítima, o que levou os paleontólogos a concluir que os primeiros tetrápodes viviam próximo a mares e lagoas.  Até então se acreditava que eles teriam surgido em regiões próximas a rios e lagos, ambientes considerados necessários para a transição da vida na água para a terra.

Per Ahlberg conta que as pegadas foram encontradas por acidente e que nenhum paleontólogo havia olhado para aquela região à procura de fósseis de tetrápodes. “Agora os paleontólogos vão começar a olhar para lugares diferentes de onde olhavam tradicionalmente”, diz o pesquisador, que no momento concentra seus esforços para achar um fóssil de corpo que reforce sua descoberta.

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line