Pegos pela boca

A melhor forma de se fisgar alguém é pela boca. Esse ditado popular, que por muito tempo estimulou moças a conquistar um marido pelos dotes culinários, pode-se aplicar também à investigação policial. Isso é o que mostra um estudo do dentista Jeidson Marques, da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), que catalogou e avaliou diferentes técnicas de análise de mordidas ‐ em alimentos, objetos ou pele ‐ para criar um protocolo padrão a ser utilizado pela perícia.

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Um modelo do arco dentário dos suspeitos (em azul) é obtido a partir do chiclete mordido. Em seguida, ele é comparado com moldes dos suspeitos arquivados pela polícia.

 

“Muitos criminosos, como o ’maníaco do parque’, foram identificados pela investigação de marcas de mordidas”, afirma Marques. “No entanto, como não há uma padronização da metodologia, tribunais podem não aceitar a técnica como prova.” Para resolver esse problema, ele testou diferentes métodos de avaliação de mordidas de cinqüenta alunos da faculdade.

Doze dos voluntários foram sorteados e, sem o conhecimento do pesquisador, morderam, cada um, quatro amostras de maçã, chocolate e chiclete ‐ segundo o FBI, a polícia federal norte-americana, esses são os alimentos encontrados mais freqüentemente em cenas de crime. Marques aplicou, então, quatro diferentes técnicas de comparação entre as provas mordidas e o arco dentário dos cinqüenta suspeitos. A fim de dificultar o processo, foram escolhidos voluntários com dentições deliberadamente parecidas.

Marques constatou que o método mais preciso e eficaz é a análise métrica, que consiste na comparação detalhada entre moldes do alimento mordido e dos arcos dentários dos suspeitos. Essa avaliação é feita com o auxílio de um paquímetro ‐ instrumento próprio para medir pequenas distâncias. Dessa forma, o perito pode manusear as peças sem que o alimento derreta ou seja deformado e avaliá-las de um ponto de vista tridimensional.

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Na análise bidimensional, uma escala de referência internacional é usada para comparar os arcos dentários dos suspeitos e a marca das mordidas nos alimentos.

As outras três técnicas avaliadas baseiam-se num mesmo princípio: a comparação por sobreposição de imagens. Isso pode ser feito de forma digitalizada, com o auxílio de um software que permite o exame de fotos dos alimentos e dos arcos dentários, ou manual ‐ alternativa mais próxima da realidade dos institutos médicos legais brasileiros. A análise, nesse caso, é feita pela comparação de transparências, que podem ter linhas de contorno ou círculos para indicar a posição dos dentes e da mordida.

Apesar de impor uma análise bidimensional, a sobreposição de imagens é também uma técnica bastante eficiente e deve por isso ser levada em conta pela perícia. “Para mordidas em pele, por exemplo, ela é a mais adequada, já que não é possível produzir um molde nesse caso”, explica Marques.

Após a investigação, que empregou as quatro técnicas, o resultado positivo: dez dos doze “criminosos” foram identificados precisamente. E nos dois casos em que a identidade do autor da mordida não foi descoberta, 90% dos suspeitos foram eliminados. “O resultado foi extremamente satisfatório, porque em casos reais não é comum termos um número tão grande de suspeitos”, comemora Marques. “Além disso, foram selecionadas pessoas com dentição quase perfeita, sem dentes quebrados ou outras características marcantes que facilitariam a identificação.”


Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
14/12/04