Peixes podem ser conservados pela radiação

Filés de peixe frescos por 30 dias, conservados apenas em geladeira: isso é possível se antes as peças forem expostas à radiação. É o que mostra uma pesquisa da nutricionista Alessandra Siqueira realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba. Além de aumentar a validade dos peixes, o processo permite que sejam comercializados sem congelamento.

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Filés de tilápia submetidos a diferentes doses de radiação

No estudo, executado no Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição, foram utilizadas tilápias cortadas em filés ou postas. Os peixes eram levados ao Centro de Energia Nuclear para a Agricultura, também em Piracicaba, e expostos a raios gama vindos de uma fonte de cobalto (60Co) em três diferentes intensidades de radiação: 1, 2,2 e 5 quiloGray (kGy). Tilápias não expostas à radiação foram usadas como controle. Após irradiados, os peixes foram mantidos em geladeira, entre 0,5 e 2o C.

As amostras passaram por análises microbiológicas, sensoriais, nutricionais e físico-químicas. A análise microbiológica consiste no exame das peças ao microscópio em busca da presença de micróbios. São procurados microrganismos psicotrófilos (que crescem a menos de 0o C), coliformes totais e fecais, Salmonella e Staphylococcus aureus . Os testes sensoriais verificam sabor, aroma, textura e aparência das amostras. Teor de lipídeos, aminoácidos e vitaminas A e B1 são medidos nos testes nutricionais. A análise físico-química testa a constituição do alimento: pH (acidez), composição centesimal (umidade, proteína bruta, gordura total e minerais), bases voláteis nitrogenadas totais (BVNT) e nitrogênio não protéico (NNT). Os testes BVNT e NNT checam a presença de amônia, substância liberada pelas bactérias ao degradar o alimento.

A conservação das peças foi analisada no dia inicial e após 20 e 30 dias. “Depois de dois dias, o peixe não submetido à radiação já estava deteriorado e em dez dias seu cheiro era insuportável”, conta Alessandra. Apenas as amostras expostas a 5 kGy, intensidade de radiação ideal para controlar microrganismos formadores de esporos, se mantiveram frescas após um mês.

“A radiação entra nas células e paralisa os processos químicos”, explica Alessandra. “Isso inclui a atividade dos microrganismos (que têm sua cadeia de DNA rompida) e as reações físico-químicas de deterioração que ocorrem naturalmente em carnes.”

Segundo a cientista, sabor e odor não são alterados e a aparência é igual à do peixe fresco. A radiação não é prejudicial à saúde, pois as doses seguem os padrões permitidos. “Os raios gama são ionizantes”, explica Alessandra. “As ondas passam através dos tecidos, que ficam estáveis mas não radiativos.”

A radiação pode ser usada em qualquer tipo de alimento, mas alguns sofrem mudança no sabor. “O suco de laranja esterilizado por radiação, já disponível em supermercados, fica com gosto metalizado.” No doutorado, que começa em 2003, Alessandra pretende estudar o uso da técnica em frutas. “Já provei morangos irradiados e o sabor se mantém inalterado”, diz.

Adriana Melo
Ciência Hoje On-line
17/01/03