Pesquisadores americanos conseguiram infectar células de camundongo com o vírus HIV. É um grande passo na pesquisa sobre a Aids, que até hoje só podia ser feita em células humanas ou de macaco. O objetivo, há muito tempo perseguido, foi alcançado graças à introdução de uma proteína humana, a hp32, nas células de camundongo. O feito foi obtido pela equipe coordenada pelo pesquisador Matija Peterlin, da Universidade da Califórnia em São Francisco (EUA), e publicado em um artigo na edição de julho da revista Nature Cell Biology .
Camundongos são os animais mais indicados para pesquisa médica, devido à facilidade de multiplicação e manipulação e à semelhança fisiológica com o homem. “Outra vantagem importante é que o sistema imunológico desses animais já é bastante conhecido”, diz a pesquisadora brasileira Luciana Costa, pós-doutoranda da equipe de Peterlin. “Existem certas limitações na capacidade de o HIV infectar células de camundongo, o que prova a adaptação do vírus ao hospedeiro humano”, diz Costa.
Por mais de uma década, pesquisadores têm tentado sem sucesso contaminar camundongos com HIV. Muitos avanços já haviam sido feitos, como a identificação e introdução nas células desse roedor da proteína receptora (CD4) e das co-receptoras (CCR5 e CXCR4) necessárias para a entrada do vírus nas células. Embora fosse possível infectar as células de camundongo, os vírus não conseguiam completar sua replicação e não se reproduziam.
Os genes iniciais do HIV eram produzidos, ou seja, o começo da replicação era realizado com sucesso. Porém, os genes tardios (chamados gag, pol e env ), responsáveis pela formação de novas partículas virais, não eram produzidos, o que interrompia a multiplicação do vírus.
“Nossa equipe descobriu que a participação da proteína humana hp32 é fundamental para a multiplicação do HIV”, explica Costa. “Ela auxilia no transporte dos RNAs mensageiros dos genes tardios do vírus do núcleo para o citoplasma da célula.” No citoplasma, esse RNA é traduzido em proteínas virais pelo maquinário celular, o que completa a replicação do HIV.
As células dos camundongos possuem uma proteína similar à hp32. Porém, a diferença de um único aminoácido em um trecho da proteína do camundongo faz com que o RNA não seja transportado para o citoplasma, o que interrompe a multiplicação do HIV. A substituição, nas células de camundongo, desse aminoácido pelo seu correspondente na versão humana permite uma vigorosa replicação in vitro dos vírus, a ponto de infectarem até células vizinhas. “Para identificar a infecção, é introduzido no genoma do vírus um gene indicador, fácil de observar nas células infectadas” diz Costa.
O próximo passo será a produção de camundongos transgênicos suscetíveis ao HIV. Sonho de muitos virologistas, esses animais de laboratório poderão acelerar a pesquisa de uma cura para a Aids.
Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
28/07/03