Pequeno, mas notável

 

Reconstituição do Adamantinasuchus navae em seu ambiente natural. Com dentes especializados, a espécie era onívora e sua dieta se baseava em insetos, carcaças e pequenos animais. (Arte: Pepi). 

Fósseis encontrados em Marília, interior de São Paulo, trazem informações inéditas sobre os animais que viveram há 90 milhões de anos no Sudeste do Brasil. Com forma similar à de um crocodilo, o Adamantinasuchus navae  foi apresentado ontem por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele era muito pequeno e tinha dentes diferenciados entre si, mais parecidos com os dos mamíferos, característica nunca antes encontrada em animais desse tipo, o que indica que sua dieta era bastante diversificada.

Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, os geólogos Ismar de Souza Carvalho e Pedro Henrique Nobre, do Departamento de Geologia da UFRJ, o A. navae tinha traços curiosos. Seu tamanho reduzido – media não mais que 50 centímetros e pesava 10 quilos – e as órbitas (cavidades oculares) avantajadas fizeram com que fosse apelidado de “chiuaua dos dinossauros”. O nome Adamantinasuchus navae foi escolhido por causa da região em que os fósseis foram descobertos, a formação de Adamantina, e para homenagear William Nava, coordenador do Museu de Paleontologia de Marília e incentivador das escavações.

A dentição do animal também surpreendeu os cientistas. Enquanto os crocodilomorfos em geral têm dentes muito parecidos entre si, a espécie encontrada apresenta incisivos pequenos e pontiagudos e dentes tipo molariformes na parte posterior da mandíbula. Essa diferenciação seria uma evidência de que o A. navae era onívoro, ou seja, se alimentava tanto de matéria vegetal quanto animal, incluindo insetos, carcaças e até mesmo animais mais resistentes. “Ele provavelmente disputava espaço com eventuais mamíferos da região”, deduz Carvalho.

Esqueleto do A. navae encontrado em Marília, São Paulo. O crânio do animal (no detalhe à direita) evidencia suas grandes órbitas, que lhe renderam o apelido de ‘chiuaua’. 

Outra característica da espécie que chama a atenção são suas patas alongadas, com o fêmur e os ossos da canela retilíneos e delgados. Além disso, suas patas traseiras tinham um tamanho desproporcional, o que seria justificado pelo fato de o A. navae ter vivido em uma área seca – diferentemente dos crocodilos de hoje, que vivem em regiões alagadas. “Ele era um corredor”, esclarece o geólogo. As narinas do animal, posicionadas na parte anterior do crânio, são outro traço marcante de sua anatomia.

A reprodução do A. navae , que levou nove meses, mostra as pernas alongadas, que faziam dele um animal corredor.

Segundo os pesquisadores, o Sudeste do Brasil durante o período Cretáceo, época em que o A. navae viveu, era uma região árida, com longos períodos de seca. O animal enfrentava temperaturas que podiam chegar a 60 °C na sombra. “Isso nos faz pensar um pouco no aquecimento global: sabemos que muitas espécies vão desaparecer, mas também outras podem surgir e se adaptar ao novo clima”, complementa Carvalho.

Riqueza fossilífera
O município de Marília, no interior de São Paulo, tem sido o destino de vários paleontólogos brasileiros devido aos diversos achados recentes. Lá, foi encontrado o Mariliasuchus amarali , em 1999, e, mais recentemente, ovos fossilizados de uma ninhada inteira de um mesmo animal, além de fósseis de peixes de água doce e anfíbios. A descoberta do Adamantinasuchus navae ocorreu durante a escavação de uma represa, em 1998. “Provavelmente há outros fósseis no fundo da represa, mas, depois do término da obra, não podemos mais voltar lá”, lamenta o paleontólogo William Nava.


Fernanda Alves

Ciência Hoje On-line
18/04/2007