Qual é o perfil do jornalista de ciência? Essa pergunta motivou um estudo global que aplicou questionários a quase mil profissionais pelo mundo. O levantamento, feito pelo Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a London School of Economics e o portal SciDev.Net, não dá respostas concretas, mas oferece pistas interessantes sobre as condições de trabalho e as práticas do jornalismo científico pelo mundo e na América Latina.
Gerado a partir das respostas a enquetes on-line, o relatório Global Science Journalism Report aponta que, ao contrário do restante do mundo, os jornalistas da América Latina não estão tão preocupados com a crise do jornalismo e do jornal impresso.
Apesar de dois terços dos consultados não acharem que o jornal impresso está fadado ao fim, a maioria deles, principalmente da Europa e América do Norte, acredita que o jornalismo está em crise e não recomenda a carreira para os mais novos.
A preocupação, além de econômica, é com a qualidade dos conteúdos. Muitos europeus e norte-americanos acreditam que o jornalismo de ciência vai ficar cada vez mais raso, baseado na cópia de material de assessoria de imprensa.
Na América Latina, os jornalistas consultados parecem mais confiantes. Cerca de 80% deles não acham que o jornalismo científico esteja em crise, 91% recomendam a profissão e 98% se veem trabalhando na área nos próximos cinco anos.
Uma das coordenadoras do estudo na América Latina, a jornalista Luisa Massarani, chefe do Museu da Vida, acredita que a diferença de postura dos jornalistas latino-americanos pode ser explicada por questões conjunturais e pela história da profissão por aqui.
“EUA e Europa estão vivendo mesmo uma situação de crise financeira que é real e nova, enquanto a América Latina já está mais acostumada com instabilidades político-econômicas”, diz. “Também temos que considerar que o jornalismo científico está ganhando mais espaço na América Latina e a porcentagem de emprego fixo é alta. Além disso, percebo que os profissionais são entusiasmados com o trabalho, têm prazer no que fazem.”
O levantamento mostra que 57% dos jornalistas latino-americanos consultados têm emprego fixo, 12% são independentes e dedicam todo o tempo à profissão e 12% são freelancers ou dedicam apenas parte do tempo ao jornalismo.
A pesquisa também aponta que os jornalistas têm um nível de capacitação significativo, mas que a educação não influencia na situação profissional. Cerca de 30% têm mestrado, 9% são doutores e 53% têm especialização ou pós-graduação. Mas existem jornalistas com titulação realizando tanto trabalhos freelances quanto com emprego fixo em uma redação.
Entusiastas e entusiasmados
O otimismo dos latino-americanos não fica só no que pensam sobre a profissão, mas também aparece no modo como veem a ciência. Quando questionados sobre o seu principal papel, a maioria dos jornalistas respondeu que é “informar”. Apenas 8% acreditam que a profissão tem o dever de mobilizar a opinião pública e 3% dizem que devem vigiar o poder público para defender os interesses da sociedade.
Segundo Massarani, essa visão tem reflexos na produção dos jornalistas. A pesquisadora afirma que diversos estudos conduzidos por seu grupo de estudos têm mostrado que a cobertura de ciência na América Latina é mais positiva e menos crítica.
“Temos observado essa característica nos jornais da América Latina, as matérias focam mais nos pontos positivos da ciência do que nos riscos e impactos na sociedade”, afirma. “Mas isso é uma tendência da área em geral. O jornalista de política e economia tem uma postura mais crítica, na área de ciência isso não é tão comum.”
As repostas não foram muito diferentes no cenário global, onde 43% responderam que têm o papel principal de informar e apenas 10% disseram ser defensores da sociedade. Essa última atribuição foi mais endossada por jornalistas da América do Norte e Oriente Médio do que de outras regiões.
Relação com o público
O trabalho também quis saber se os jornalistas conhecem o seu púbico. Somente 20% dos entrevistados da América Latina disseram usar estratégias para conhecer sua audiência. Em escala global, a porcentagem foi ainda menor, 9%.
Entre os canais mais comuns para conhecer o público, foram citadas as cartas dos leitores, as estatísticas de acesso a páginas da internet e a opinião de amigos e familiares. Apenas 25% dos jornalistas disseram ter pesquisas regulares de público, a maioria da Europa, África e Ásia.
Para Massarani, o dado é digno de atenção. “Essa á uma grande questão do jornalismo científico hoje”, diz. “Falamos muito da precisão da informação, mas não estamos tendo a devida atenção em saber quem é a audiência e como ela constrói sentido em cima da informação que veiculamos. Saber quantos cliques a sua página teve é bacana, mas isso não te diz quem é a sua audiência. Temos que ter mais pesquisas de púbico qualitativas e robustas.”
Os questionários foram respondidos por uma maioria de homens entre 22 e 44 anos trabalhando em impressos e internet. Se tomadas apenas as respostas da América Latina, metade foram de mulheres. Mas Massarani lembra que a amostra não é necessariamente um reflexo da realidade.
“Nós apenas começamos a fazer um raio x do perfil do jornalista de ciência, não podemos dizer que os resultados que conseguimos são representativos da comunidade geral dos jornalistas, pois não conhecemos essa comunidade”, pontua. “Mas é um passo importante, provavelmente a primeira iniciativa nesse sentido na América Latina.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line