Pesquisa de fundo

O primeiro laboratório subterrâneo do hemisfério Sul começa a ganhar forma. O Andes, como foi batizado, é iniciativa de um consórcio latino-americano formado por Brasil, Argentina, Chile e México, e, após alguns meses em fase ‘embrionária’, teve a primeira reunião para discussão de seu projeto no último mês de abril em Buenos Aires.

Os primeiros detalhes do laboratório foram apresentados na segunda-feira (06/06) pela física argentina Carla Bonifazi em simpósio realizado no Encontro de Física 2011, promovido pela Sociedade Brasileira de Física. O evento teve início no último domingo (05/06) e prossegue até sexta-feira (10/06) em Foz do Iguaçu, no Paraná.

O laboratório Andes será construído a uma profundidade de aproximadamente 1.750 metros, sob a cordilheira dos Andes

Segundo Bonifazi, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o laboratório Andes será construído a uma profundidade de aproximadamente 1.750 metros, como uma espécie de anexo do túnel rodoviário Água Negra, que ligará Chile e Argentina e será escavado sob a cordilheira dos Andes.

“Há dois tipos de laboratórios subterrâneos: em minas, como o SNOLab, do Canadá; e em túneis, como o Gran Sasso, da Itália”, disse a pesquisadora. “Enquanto os laboratórios em minas são mais simples de construir e expandir, é mais fácil acessar instalações em túneis.”

A construção do túnel Água Negra, onde o laboratório Andes deve ser instalado, está prevista em um acordo assinado em agosto de 2009 pela presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e pelos então presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e do Chile, Michelle Bachelet.

Com uma extensão de 14 km, a galeria ligará a província de San Juan, na Argentina, à região de Coquimbo, no Chile, e foi planejada para propiciar ao Brasil e à Argentina uma nova rota para o mercado asiático. A licitação para a construção da passagem subterrânea deverá ser lançada em setembro deste ano, e a previsão é de que a obra esteja concluída até 2018.

Laboratório

Previsto para ser construído entre os quilômetros 3,5 e 5 do traçado do túnel Água Negra, o laboratório Andes terá entradas do lado argentino e chileno. No projeto foram desenhadas três grandes câmaras e um túnel linear para a instalação de um acelerador de partículas.

Modelo tridimensional do laboratório Andes
Modelo tridimensional do laboratório Andes, com túneis de passagem rodoviária (à esquerda) e de acesso às câmaras para realização de pesquisas (à direita). Os dois primeiros saguões (mais acima) teriam 20 m de largura, 20 m de altura e 50 m de comprimento; o terceiro teria a forma de um cilindro em pé, com diâmetro de 15 m e profundidade de 20 m. (imagem: Centro Atómico Bariloche, Argentina)

Andes – além de ser o nome da cordilheira que se estende por toda a costa ocidental da América do Sul – é um acrônimo para ‘Agua Negra Deep Experiment Site’ (em tradução livre, Estação Profunda de Experimentos Água Negra). Estima-se que os custos para a construção do laboratório cheguem a 10 milhões de dólares.

Laboratórios subterrâneos são essenciais para a realização de experimentos na área de física por estarem expostos a níveis baixíssimos de radiação cósmica. Essa radiação, proveniente do espaço, atinge constantemente a superfície terrestre. Estudos com neutrinos e matéria escura, por exemplo, só podem ser feitos algumas centenas de metros abaixo do solo.

Estrutura interna do laboratório Andes
Corte transversal que mostra a estrutura interna (com quatro andares) da segunda câmara de pesquisas do laboratório Andes. (imagem: Centro Atómico Bariloche, Argentina)

“Hoje sabemos que a matéria escura representa 24% do universo e que outros 72% são constituídos por energia escura, mas pouco se sabe sobre esses conceitos”, disse Bonifazi. Estudos de geociências e de biologia também podem ser conduzidos debaixo da terra.

Em todo o mundo existem 10 laboratórios subterrâneos: cinco na Europa, quatro nos Estados Unidos e um no Japão. “A vantagem de um laboratório subterrâneo no hemisfério Sul é que teríamos diferentes modulações induzidas pelo clima”, explicou Bonifazi.

A construção do túnel Água Negra veio em boa hora para os cientistas da região, que viram no projeto a melhor oportunidade de inaugurar um laboratório subterrâneo no hemisfério Sul. Além de pesquisadores do Brasil, Argentina e Chile, grupos de pesquisa de países como México, França, Itália, Rússia e Estados Unidos também manifestaram apoio à iniciativa. Autoridades brasileiras e argentinas consultadas pelo consórcio de pesquisadores também se mostraram favoráveis à ideia.

Entre os dias 27 e 29 deste mês será realizado no Rio de Janeiro o segundo encontro internacional para discutir o projeto do laboratório Andes. O físico Ronald Shellard, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, é o representante brasileiro no comitê organizador do evento.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR