Plástico engorda

Da próxima vez que o leitor comer uma guloseima em um prato de plástico, pode culpar o recipiente e não o seu conteúdo pelos quilinhos a mais. Brincadeira à parte, um estudo brasileiro mostra que essa situação aparentemente absurda pode ter um fundo de verdade. O culpado é o bisfenol A, composto usado na fabricação de plásticos associado a uma longa lista de doenças que não para de crescer e inclui a obesidade.

Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que será apresentada esta semana na 29ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), em Caxambu (MG), corrobora a conclusão, já apontada por outros trabalhos, de que o bisfenol A altera os hormônios da glândula tireoide, o que pode acarretar ganho de peso.

O bisfenol A está associado a uma longa lista de doenças que não para de crescer e inclui a obesidade

O estudo analisou o efeito de diferentes quantidades de bisfenol A sobre as enzimas desiodases, responsáveis por transformar o hormônio T4 produzido pela tireoide em sua forma ativa, o hormônio T3. O T3 se liga a receptores no núcleo das células e estimula várias funções do corpo, desde os batimentos cardíacos, passando pela memória, até o gasto de energia.

Os testes foram feitos em laboratório com as enzimas isoladas e, em todas as amostras, o bisfenol A impediu a ação das desiodases quando administrado em quantidade superior a 500 micromolar (o equivalente a dividir dois litros da substância em mil partes iguais e dividir novamente cada parte por mil). No corpo humano, se essas enzimas param de funcionar e o T4 não é transformado em T3, a pessoa desenvolve um hipotireoidismo tecidual e suas células ficam mais lentas na produção e no consumo de energia.

“Os hormônios tireoidianos têm um importante efeito estimulador sobre o gasto energético”, explica a farmacêutica Andrea Ferreira, líder da pesquisa. “Quando há um desequilíbrio entre a quantidade de energia que obtemos pela alimentação e a quantidade de energia que gastamos para manter o nosso metabolismo, pode haver problemas como o ganho de peso.”

Efeito incerto

Não é possível saber se a quantidade de bisfenol A usada nos testes teria o mesmo efeito no nosso organismo, pois, ao chegar à corrente sanguínea – por ingestão, inalação ou contato com a pele –, o composto é ‘filtrado’ pelo fígado, que pode (ou não) torná-lo menos tóxico.

Tampouco é possível precisar a quantidade de bisfenol A a que estamos expostos todos os dias. O composto pode ser encontrado em toda parte: em acessórios de plástico que usamos em contato com a pele, em resinas aplicadas em tratamentos dentários, nos utensílios de cozinha, nas embalagens de plástico e em latas que guardam alimentos e até em forma de resíduo em partículas de poeira e na água.

Plásticos
Os componentes tóxicos dos plásticos se acumulam no meio ambiente e intoxicam animais e plantas que fazem parte da nossa dieta. (foto: Inmobiliaria Lares/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)

Não existe um valor exato e não é obrigatória no Brasil a indicação da presença de bisfenol A em embalagens. Porém, um levantamento feito entre 2002 e 2003 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) detectou níveis elevados do composto em 93% das 2.517 amostras de urina coletadas de pessoas com mais de seis anos. Além disso, outros estudos já correlacionaram a concentração da substância na urina com a prevalência de obesidade em crianças, adolescentes e adultos.

“É muito difícil saber a quantidade de bisfenol A com que temos contato, pois é preciso considerar não só o bisfenol A que passa dos utensílios de plástico para os alimentos e bebidas, mas também a grande quantidade de material plástico que é lançada no ambiente e acaba contaminando terrenos e sendo ingerida por seres vivos”, pontua Ferreira. “Como estamos no topo da cadeia alimentar, acabamos ingerindo esses animais e plantas que estão contaminados com o bisfenol A.”

A pesquisadora lembra ainda que a exposição ao bisfenol A é crônica, ou seja, o composto pode se acumular em nosso organismo com o passar dos anos e provocar danos de longo prazo. Por essas e outras, a substância é proibida em diversos países europeus e seu uso em mamadeiras e chupetas é vetado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Mamadeiras e chupetas
A exposição ao bisfenol A é crônica e pode começar desde cedo. Por isso, no Brasil, o composto é proibido em mamadeiras e chupetas. (foto: Carin Araujo/ Freeimages)

Na lista de problemas associados ao bisfenol A estão ainda disfunções de estrogênio (hormônio que regula a ovulação), doenças coronarianas, distúrbios comportamentais e cerebrais (observados em animais) e danos à próstata em fetos e bebês. “Existem muitas razões para proibir o bisfenol A de vez”, afirma Ferreira. “Mas a questão é: o que irá substituí-lo? Que composto será utilizado? Será que terá mais ou menos impacto sobre a saúde?”

Ferreira e colegas já estão conduzindo testes com animais para analisar os efeitos do composto sobre o T3 e também sobre a capacidade da tireoide de produzir os hormônios em geral.

Mais vilões

O bisfenol A tem sido alvo de muitos estudos como o da UFRJ, porém a toxicidade dos plásticos pode não estar associada somente a essa substância. Um estudo dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) publicado este ano no periódico Environmental Health Perspectives aponta que mesmo os materiais plásticos produzidos sem bisfenol A têm a capacidade de imitar o estrogênio e gerar distúrbios hormonais mais graves.

Na dúvida, a pesquisadora dá a dica: “Como consumidores, é importante que procuremos moderar a utilização de copos e recipientes plásticos, dando preferência a utensílios de vidro”, diz. “Além disso, é importante cobrar das autoridades uma destinação adequada do lixo, para minimizar a contaminação do ambiente com o bisfenol A.”

Sofia Moutinho (*)
Ciência Hoje On-line

* A jornalista viajou para Caxambu a convite da Fesbe.