Pó contra veneno de cobra

Por ano, quase 28 mil pessoas são picadas por cobras no Brasil. Uma novidade desenvolvida no Instituto Butantan promete tornar mais rápido e eficaz o atendimento às vítimas de espécies venenosas. Trata-se de uma versão em pó dos soros antiofídicos usados no combate ao veneno das serpentes. O produto dispensa a refrigeração e, por isso, pode ser estocado e transportado com mais facilidade e deve alcançar localidades longínquas do Brasil.
 
A composição e a forma de fabricação do soro em pó é a mesma do convencional, na forma líquida. “A diferença está apenas na forma de apresentação dos dois”, afirma a bioquímica Hisako Higashi, diretora da Divisão de Produção do Instituto Butantan. O soro antiofídico possui ação específica: o veneno de cada cobra tem um soro correspondente. O Instituto Butantan produz cinco tipos diferentes de soros contra veneno de serpentes e estão sendo preparadas versões em pó de todos eles.
 
O soro é produzido a partir do sangue de cavalos imunizados com o veneno. Eles produzem um anticorpo chamado gamaglobulina, obtido através de um processo de fracionamento químico e enzimático do plasma sanguíneo. Depois de testes microbiológicos, biológicos e físico-químicos para garantir sua eficácia, o produto é diluído em água destilada e armazenado em ampolas de 10 ml ou 5 ml.
 
Para a produção do soro em pó, é necessário, após a disposição nas ampolas, submetê-lo a um processo que retira a água do produto, tornando-o sólido. “Esse procedimento já é feito em outras partes do mundo”, esclarece Hisako. “É uma questão de necessidade obter um soro liofilizado no pais.”
 
Sua utilização é simples. Basta reconstituí-lo com a adição de água destilada na quantidade adequada. A partir daí o processo é o mesmo do soro líquido: diluição em soro fisiológico e aplicação intravenosa. A dose a ser aplicada depende da espécie de cobra e da gravidade da picada, que deve ser avaliada por um médico, em função dos sintomas apresentados pela pessoa.
 
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Soro antiofídico convencional na forma líquida.

Na forma líquida, para que sua substância ativa não perca o efeito, o soro deve ser mantido a uma temperatura entre 2 o C e 8 o C. Isso cria problemas tanto no transporte para regiões mais distantes quanto no estoque do soro em áreas que não possuam eletricidade ou refrigeração – regiões onde acidentes com cobras são mais comuns do que nas áreas urbanizadas.

 
Após seis anos de desenvolvimento, o soro em pó passa pelos últimos testes para comprovar que pode ser estocado em temperatura ambiente. Os pesquisadores estão confiantes: “o produto já resistiu sem alterações a temperaturas de até 50 o C durante um ano inteiro”, afirma Hisako. Além disso, o soro em pó promete ser mais durável do que o convencional. “Por enquanto a validade é de três anos, como a do líquido, mas ela deve ser aumentada depois”, prevê a pesquisadora.
 
Se aprovado nos últimos testes, a nova forma de soro será registrada e pode estar disponível para a distribuição nos postos de saúde e hospitais de todo Brasil a partir de 2006. Os excedentes da produção deverão ser vendidos. No entanto os pesquisadores desaconselham a utilização do soro sem o auxílio de um profissional. “Deve ser aplicado sempre com a supervisão de um médico ou paramédico”, afirma Hisako.

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
27/09/05