A constatação de que o uso do anticonvulsivante fenitoína causa aumento exagerado da gengiva em 20% dos pacientes que fazem uso crônico da droga levou o dermatologista Carlos Augusto Pereira, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a testar se esse efeito hiperplásico ajudaria na cicatrização de feridas cutâneas.
O tema foi objeto da pesquisa de doutorado de Pereira, feito na Universidade Federal de São Paulo, sob orientação da professora Alice Alchorne. O trabalho, que envolveu 100 pacientes da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, avaliou o efeito da fenitoína na cicatrização de lesões resultantes da remoção cirúrgica de nevos melanocíticos.
“Popularmente conhecidos como ‘pintas’, os nevos são neoplasias benignas da pele, congênitas ou adquiridas, que se manifestam igualmente em homens e mulheres”, explica Pereira.
Dos pacientes recrutados, metade tinha dois nevos na face; a outra metade tinha dois nevos na parte posterior do tórax. O critério de seleção dos pacientes foi a presença de duas lesões simétricas.
“Elas deviam estar presentes na mesma parte do corpo e ter indicação de cirurgia devido a sinais de conversão maligna, como crescimento rápido, aumento de pigmentação e prurido local”, detalha o dermatologista.
Os pacientes foram instruídos a fazer o curativo das feridas diariamente, aplicando o creme-controle (inócuo) em uma das lesões e o creme enriquecido com 0,5% de fenitoína na outra. Isso permitiu comparar o efeito da droga no mesmo paciente, que não sabia qual dos dois cremes era aplicado em cada uma das feridas.
Os tubos foram diferenciados por um sistema de cores, cujo significado só o médico conhecia (o que continha fenitoína era preto; o outro, sem o princípio ativo, era vermelho). O período de avaliação pós-operatória foi de 7, 14, 21 e 60 dias. Este último é o tempo necessário para formação de uma cicatriz estável.
Resultados animadores
O mecanismo de ação da fenitoína ainda não foi bem esclarecido, mas parece estar relacionado com alterações no metabolismo do colágeno. Além disso, a droga inibe a retração dos miofibroblastos, evitando a contração das feridas, o que resulta em cicatrizes maiores, porém planas e com melhor resultado estético.
Os miofibroblastos são componentes celulares importantes na reparação do tecido lesionado e aparecem após os fenômenos inflamatórios iniciais.
Devido às propriedades vasodilatadoras da fenitoína e a sua capacidade de dar origem a vasos sanguíneos, as lesões tratadas com a droga apresentaram mais sangramento e vermelhidão na fase inicial do processo de cicatrização.
Apesar disso, o tratamento das feridas com fenitoína a 0,5% foi considerado excelente pela equipe de Pereira. Já o resultado das lesões tratadas com o creme sem o princípio ativo foi apenas bom.
Entre as vantagens da fenitoína em comparação com os produtos hoje disponíveis no mercado, Pereira ressalta o baixo custo, a redução de efeitos colaterais, como alergia, e o fato de não conter antibiótico (não causando, portanto, resistência bacteriana).
A fenitoína já foi usada também no tratamento de lúpus eritematoso discoide e no líquen plano com bons resultados terapêuticos. Além disso, mostrou-se eficaz na aceleração do processo de cicatrização de úlceras na perna e de úlceras tróficas em hansenianos.
A droga não está disponível para comercialização na forma de uso tópico. Por isso ela deve ser manipulada em farmácias especializadas.
Sofia Pereira
Especial para a CH On-line/ PR