Polos aquecidos

Desde 1950 a temperatura anual nos polos Norte e Sul aumenta 1,5° Celsius – três vezes mais do que no resto do planeta. Tal discrepância levou uma equipe de pesquisadores a avaliar como o aquecimento global pode prejudicar as relações alimentares entre predadores e presas que habitam o Oceano Ártico e a Antártida.

Publicada no periódico Marine Ecology Progress Series, a pesquisa cruzou dados de 300 estudos prévios que descrevem as cadeias alimentares das duas regiões, construindo, assim, a rede trófica de cada polo. “As pesquisas em que nos baseamos foram feitas em longo prazo e possibilitam identificar como os diversos predadores e presas de cada local se relacionam”, explica o brasileiro Charles Santana, coautor do estudo e cientista computacional do Instituto Mediterrâneo de Estudos Avançados, na Espanha.

Após avaliar a rede trófica do Oceano Ártico, os pesquisadores identificaram que essa região tem uma quantidade maior de predadores do que de presas, tornando-se vulnerável a perturbações que afetam animais em níveis mais altos da cadeia alimentar – como ursos polares e baleias. “Os danos causados aos predadores atingem também as presas e as plantas consumidas por elas, caracterizando o que chamamos de cascata trófica”, diz Santana.

Já a Antártida, por ter mais presas do que predadores, exibe uma rede de cadeias alimentares mais resistente à cascata trófica. No entanto, ela está suscetível a perturbações que afetam as espécies com maior número de predadores, como o crustáceo Krill. “A alta radiação ultravioleta devido ao buraco da camada de ozônio, a sobrepesca e o derretimento do gelo marinho fizeram com que a quantidade de Krill diminuísse 30 vezes nos últimos 50 anos”, explica o pesquisador.

crustáceo Krill
Por ter mais presas do que predadores, a rede trófica da Antártida está suscetível a perturbações que afetam as espécies com maior número de predadores, como o crustáceo Krill. (foto: Uwe Kils/ Wikimedia Commons)

Outro ponto destacado no trabalho é a quantidade de onívoros em cada rede trófica. Nesse âmbito, a rede do Ártico se destaca, já que possui o dobro de organismos que se alimenta tanto de matéria vegetal quanto animal. “Por ter predadores que se alimentam de presas em vários níveis da cadeia alimentar, o Oceano Ártico está mais resistente à invasão de novas espécies e à possível extinção de organismos já existentes”, acrescenta Santana.

Aumento da temperatura

O pesquisador explica que os efeitos das mudanças climáticas são vistos com maior clareza na região marinha dos polos porque as espécies que vivem ali dependem muito do gelo. O derretimento causado pela alta temperatura ocasiona perda do hábitat e promove o aquecimento das águas. “O gelo reflete a luz solar, o que diminui o calor. Quando o gelo é transformado em água, esse calor passa a ser absorvido, agravando os danos causados pelas mudanças climáticas”, diz.

“As espécies dependem umas das outras para sobreviver e estudar a rede trófica nos dá uma visão global do que está acontecendo nos polos”

Ainda não é possível dizer qual polo está mais suscetível ao aquecimento global, mas Santana acredita que o já intenso derretimento do gelo no Oceano Ártico torna o Polo Norte mais vulnerável. “Há previsões de que, até o final dessa década, a região não tenha mais gelo no verão”, explica. “O gelo marinho é o principal hábitat para predadores como o urso polar e a foca, que dependem dele para caçar. Acho mais provável que haja um colapso na rede trófica do Ártico antes da Antártida”, arrisca.

A próxima etapa do estudo será simular a extinção de determinadas espécies para identificar como esse tipo de mudança afetaria cada rede trófica. “As espécies dependem umas das outras para sobreviver e estudar a rede trófica nos dá uma visão global do que está acontecendo nos polos”, completa Santana.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line