Por um papel mais ecológico

Produzir papel sem degradar o meio ambiente é um desafio. Além da derrubada das árvores que servem de matéria-prima, o processo de branqueamento da polpa da celulose implica o uso de materiais tóxicos. Para contornar o problema, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) sugerem a substituição desses poluentes por enzimas denominadas xilanases, produzidas por diversas espécies de fungo, sobretudo a Acrophialophora nainiana .

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Imagens microscópicas de duas amostras de polpa de eucalipto, uma tratada
com a enzima do fungo Acrophialophora nainiana (B), e outra não (A). 

O método já é empregado em países como Finlândia, Estados Unidos e Canadá. Os resultados do estudo brasileiro mostraram que os papéis branqueados por essas enzimas possuem boa alvura e a mesma resistência ao rasgo que os produzidos com o método convencional. Na análise de brilho, de acordo com o papel que se deseja obter, eles apresentam maior qualidade.

A produção do papel começa na retirada da madeira. Uma vez recolhida, a matéria-prima é levada a um caldeirão de vapor d’água com temperatura de 40oC ou mais. Desse procedimento surgirá a polpa da celulose (células vegetais formadas por fibras que entrelaçadas resultam no papel). No entanto, a obtenção de um papel de boa qualidade requer uma polpa branca e de alto brilho. Para isso, é preciso clareá-la, ou seja, remover constituintes como a lignina e seus derivados.

É aí que entra o cloro: seu papel principal no branqueamento é converter a lignina residual da polpa em produtos solúveis em água. Os subprodutos resultantes são substâncias orgânicas cloradas, que podem ser tóxicas, mutagênicas e persistentes. Se lançados nos rios, esses poluentes podem contaminar a água e os peixes e causar prejuízos a ecossistemas.

No processo convencional de branqueamento, o uso de xilanases poderia reduzir em até 30% o uso de cloro e organoclorados. No entanto, algumas empresas adotam alternativamente ozônio, peróxido de hidrogênio e oxigênio no branqueamento, para reduzir a utilização de poluentes. Nesses casos, além de diminuir a quantidade de organoclorados, o uso de xilanases permite também melhorar as propriedades da polpa.

O Acrophialophora nainiana é um fungo filamentoso comum na região central do Brasil e pode ser encontrado na madeira em processo de decomposição e em fontes térmicas. Outras espécies de fungo também produzem xilanases, nem sempre apropriadas para o uso no branqueamento da polpa de papel. A enzima da A. nainiana é especialmente adequada por ter baixo peso molecular, pH em torno de 7 e por permanecer estável em meios quentes. Ela pode, assim, ser mais bem aproveitada no processo de branqueamento do papel em altas temperaturas.

Por se tratar de uma técnica ainda não muito explorada, a resistência das indústrias brasileiras ao procedimento se deve sobretudo ao aumento dos custos. “Embora o processo ainda seja mais caro, a tendência é que, com a propagação da tecnologia, em um curto espaço de tempo ele seja barateado”, aposta Edivaldo Ximenes, professor do Departamento de Biologia Celular e coordenador do Laboratório de Enzimologia da UnB, onde foi feito o estudo. “No entanto, o simples ganho ambiental já vale o investimento.”

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
25/03/04