A Rio+20 acabou. E a típica avalanche noticiosa de informações sobre o tema se esvaeceu. Mas é claro que a problemática ambiental, em todas as suas facetas e complexidades, ainda é um tema candente. Esta semana, quem manteve o assunto em pauta foi o economista Sérgio Besserman, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Ele participou na quarta-feira (22/8) de um colóquio no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, onde dividiu algumas opiniões acerca da encruzilhada civilizatória que emerge diante da tão propalada crise ambiental contemporânea.
A perspectiva de Besserman é peculiar – afinal, ele é um ecologista que já foi burocrata. Nos anos 1980, ocupou cargos executivos no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); em 1999, assumiu a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); atualmente, integra os quadros da World Wide Fund for Nature (WWF) no Brasil.
O porvir das décadas decisivas
“Temos menos de três décadas para empreender a maior transformação social, política e ambiental de nossa história civilizatória”, alertou Besserman.
Ele citou Era dos extremos, obra lapidar da história contemporânea em que o autor, Eric Hobsbawm, desenhou o panorama do século 20 como uma trama de incontáveis mudanças, convulsões sociais, revoluções e movimentos sociopolíticos de ordem profunda. Conflitos de toda sorte, distúrbios étnicos, comunismo, fascismo, capitalismo, recrudescimento do capital e o triunfo da “irresponsabilidade teórica da ortodoxia econômica”.
“Todas essas mudanças que vivenciamos no século 20”, afirmou Besserman, “são ‘fichinha’ perto do que está por vir nas próximas duas ou três décadas”.
Segundo o economista, é a primeira vez que a humanidade se vê diante da necessidade de tomar decisões em âmbito global. “Não mais como tribos, e sim como espécie.”
Mas há um impasse: será que a sociedade contemporânea, baseada em unidades políticas e administrativas bairristas como Estados ou nações, estaria apta a lidar com a utopia de uma governança global em prol de um equilíbrio sistêmico?
“Penso que ainda não”, lamenta Besserman. Esta, segundo ele, é uma das questões decisivas que definirá os rumos de nossa caminhada civilizatória, à luz ou à treva, em direção ao possível equilíbrio ou ao iminente caos.
No limiar da ação, no cerne da letargia
Falar em meio ambiente, hoje, é repetir-se em afirmações desgastadas. E, como não poderia deixar de ser, o economista da PUC-Rio reafirmou a importância de se respeitar – e considerar nos cálculos da economia global – os chamados “limites do planeta”.
O conceito se popularizou a partir de 2009, quando o cientista sueco Johan Rockström publicou na Nature um trabalho que sugeria as questões ambientais mais urgentes de nosso tempo. Hoje é clichê, mas à época seu gráfico foi inovador: biodiversidade, ciclo do nitrogênio e mudanças climáticas são os temas mais urgentes da desafiadora problemática socioambiental. (A propósito, Rockström participou ontem de um evento em São Paulo, fazendo um balanço da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20).
É importante lembrar – e Besserman o fez bem – que o conceito de “limites” gerou mal-entendidos. Não são exatamente “limites do planeta”, entendidos literalmente; mas sim limites das condições necessárias para que a vida – e a sociedade humana – possam se sustentar de maneira condizente com suas necessidades.
O planeta vai muito bem, obrigado, e, com humanos ou sem, seus ciclos perpétuos de vida, criação e regeneração pouco se alteram em relação ao cenário do grande teatro do cosmos. O que está em risco, lembrou Besserman, é a capacidade de reposição e manutenção dos recursos que nos permitem sobreviver na Terra.
“De qualquer maneira, é incrível como a ciência econômica, em praticamente todas as suas vertentes, defende coisas tão absurdas como a inexistência dos limites de exploração dos recursos naturais; para muitos economistas, eles são e sempre serão infinitos”.
Ainda na agenda: natureza e civilização
E a Rio+20? Ensaiando um balanço geral sobre a conferência, Besserman disse que “ela ficará bem ou mal na história a depender do que ainda está por vir”.
O fato é que, segundo ele, nosso desafio de superar essa tão comentada crise socioambiental acontece ao mesmo tempo em que ainda precisamos nos recuperar de uma profunda crise econômica – “o que ainda nos ocupará por pelo menos mais 20 anos”.
A aposta de Besserman é na reprecificação da economia – em outras palavras, valorar os recursos e serviços ambientais de forma que garanta exploração e consumo de maneira responsável e coerente. “Não existe almoço grátis. Alguém sempre paga a conta”, brincou o economista. “Já estamos sendo cobrados, e precisamos pagar”.
Para Besserman, a autorregulação dos mercados – aposta de muitos capitalistas e investidores de plantão – não passa de um mito. “A economia é capaz de se autorregular tanto quanto um viciado em crack é capaz de se libertar se seu vício”.
Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ