Há 40 anos, o cinema lançava Tubarão, de Steven Spielberg – talvez um marco na imagem medonha que fazemos desses animais. Mas um dado pouco conhecido, e que passa longe do filme, é que cerca de 100 milhões de tubarões são mortos anualmente – número incrivelmente superior ao de humanos mortos por esses animais, entre cinco e 15 por ano, segundo dados do Arquivo Internacional de Ataques de Tubarão (ISAF, na sigla em inglês).
O comércio mundial de produtos gerados a partir dos tubarões se aproxima de US$ 1 bilhão ao ano. Carne, pele, cartilagens e fígado desses predadores são comercializados, mas a iguaria mais valorizada são as barbatanas, apreciadas em forma de sopa nos países asiáticos, como a China, onde a porção pode valer 100 dólares.
Finning é a prática de retirar as
barbatanas do tubarão para
comercializá-las – as nadadeiras
têm alto valor de mercado,
especialmente na Ásia. (foto: NOAA)
Em 2014, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) calculou que um quarto dos tubarões e raias (grupo conhecido como elasmobrânquios) do mundo estão ameaçados de extinção. Das 465 espécies de tubarões analisadas, 11 estão criticamente em perigo, 15 em perigo e 48 vulneráveis.
No Brasil, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), há registros de duas espécies regionalmente extintas, o tubarão-lagarto (Schroederichthys bivius) e o tubarão-dente-de-agulha (Carcharhinus isodon). “Existem ainda pelo menos 28 espécies de elasmobrânquios em estágio elevado de ameaça”, ressalta Jorge Kotas, analista ambiental do ICMBio. Ele lista exemplos: peixes-serra, mangonas, raias-sapo, tubarões-martelo, cações-anjo, cações-quatie, raias-viola.
Esforços de preservação
Frente às preocupações para proteção de diversas espécies de tubarão em declínio, vêm sendo criadas legislações nacionais e tratados internacionais para sua conservação. Um exemplo é o Plano de Ação Internacional para a Conservação e Gestão dos Tubarões (IPOA-Sharks), lançado em 1999 pela Comissão das Pescas da FAO. “Vários países têm adotado o IPOA-Sharks e elaborado planos de ação nacionais que estabelecem diretrizes para o estudo e adequada exploração dos tubarões”, destaca Hazin.
Outro desdobramento positivo do esforço em proteger esses vertebrados foi a criação de santuários para os tubarões, primeiro em Palau, e depois em outros locais, como as ilhas Maldivas e as Bahamas.
No Brasil, a prática de finning foi proibida em 2012. Em 2014, foi criado o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Tubarões e Raias Marinhos Ameaçados de Extinção (PAN Tubarões), com ênfase em 12 espécies.
O plano contempla objetivos específicos importantes, como sensibilizar os pescadores e a sociedade acerca da importância dos elasmobrânquios e de sua conservação para a integridade dos ecossistemas marinhos. Mas não é suficiente. “Há muito que avançar para a conservação dos elasmobrânquios, como a proibição dos espinheis com cabos de aço, criação de programas de conservação de tubarões e raias em Unidades de Conservação Marinhas e a redução da mortalidade pós-captura desses animais nas pescarias”, enfatiza Kotas.
Desconstruindo preconceitos
Além da fiscalização pesqueira e dados estatísticos oficiais, pesquisas científicas são fundamentais para a proteção dos elasmobrânquios. Ricardo Rosa, presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios (SBEEL), indica a necessidade de pesquisas sobre aspectos biológicos pouco conhecidos, como alimentação, reprodução, migrações e uso do hábitat, além do monitoramento das populações. Hazin acrescenta estudos relacionados à identificação das populações e estoques. Kotas, por sua vez, cita análises que indiquem a importância econômica destas espécies vivas para o turismo de mergulho. “A observação de tubarões em mergulhos nas Bahamas gera aproximadamente U$ 78 milhões ao ano”, recorda.
Apesar de sua importância ecológica e econômica, a imagem negativa como ‘vilões dos mares’ insiste em permanecer. “A mídia pode divulgar os fatos belíssimos acerca da biologia dos tubarões, o que serve para desmistificá-los, e não apenas enfatizar os incidentes”, lembra Rosa. Outras ações educativas e de divulgação científica poderiam contribuir para a desconstrução desse mito do tubarão ameaçador.
“Precisamos informar sobre a inestimável importância dos tubarões para o equilíbrio e a saúde dos ecossistemas marinhos e a incidência extremamente rara, comparativamente, de incidentes com seres humanos”, conclui Hazin. “Abelhas, cobras, hipopótamos e mesmo raios, por exemplo, matam muito mais gente todos os anos do que os tubarões – que, ao contrário, são mortos aos milhões”.
Tássia Biazon
Especial para a CH Online