Ao estudar uma população de animais, independentemente da espécie, um pesquisador encontrará aproximadamente a mesma quantidade de recém-nascidos machos e fêmeas. Certo?
O biólogo Robert Barclay, da Universidade de Calgary, no Canadá, estudou morcegos da espécie Eptesicus fuscus durante 14 anos e, de fato, encontrou o que é comumente esperado quando olhou para o total de filhotes: a quantidade de machos e fêmeas era praticamente a mesma.
No entanto, o cenário mudou quando o pesquisador voltou o seu olhar para a data de nascimento desses filhotes. Entre os morcegos nascidos no final da primavera canadense – mais especificamente entre 13 e 22 de junho –, o biólogo encontrou quase duas vezes mais fêmeas que machos – mais precisamente 60,3% dos filhotes eram do sexo feminino. Os resultados foram publicados em artigo na revista PloS One.
Barclay propõe que tal disparidade sexual ocorre porque, nascendo nesse período, aumentam as chances de uma fêmea atingir a maturidade sexual e se reproduzir ainda no primeiro ano de vida. Ou seja, a mãe de uma fêmea que nasce cedo poderá ter netos mais rapidamente do que se ela tivesse dado à luz um macho, o que é uma vantagem evolutiva.
Para acompanhar o raciocínio do pesquisador, é preciso conhecer alguns aspectos do ciclo de vida dessa espécie. Os morcegos estudados por Barclay nascem e crescem no verão, acasalam no outono e hibernam no inverno. Logo depois vem a primavera, quando as fêmeas engravidam.
A data de nascimento dos filhotes depende tanto da condição corporal da mãe quanto das condições ambientais: se forem desfavoráveis, os partos demorarão mais para ocorrer. De qualquer maneira, os nascimentos acontecem até o final do verão e o desafio para os filhotes consiste em aproveitar o tempo que lhes resta até o inverno para crescer e acumular gordura para a fase de hibernação.
Apesar de o acasalamento ocorrer no outono, apenas os machos produzem gametas (espermatozoides, no caso) nessa estação. As fêmeas só ovulam na primavera. Como, então, ocorre a fecundação? É que as ‘morcegas’ dessa espécie guardam os espermatozoides do macho desde a cópula até a ovulação, período que também inclui os meses de hibernação.
Seja qual for a data de nascimento de um macho, um filhote desse sexo não terá tempo suficiente para chegar à maturidade sexual no primeiro outono de sua vida. A produção de gametas é um processo que demanda muita energia e, para um filhote em crescimento e prestes a hibernar, a prioridade é outra. Ele usa o tempo que tem para acumular gordura, sem a qual as chances de sobreviver ao inverno são extremamente reduzidas.
Como a ovulação só ocorre depois da hibernação, a data de nascimento afeta o potencial de reprodução das fêmeas no primeiro ano de vida. Quando elas nascem antes do verão, não só a probabilidade de sobrevivência ao inverno é maior – pois têm mais tempo para crescer e acumular gordura –, como também a de atingir a maturidade sexual na primavera posterior ao seu nascimento.
Assim, quando o parto acontece cedo, é mais vantajoso ter um filhote do sexo feminino. Barclay fez as contas: para as fêmeas nascidas em 1991 e 1994 – anos nos quais houve partos antecipados –, 30,8% dos filhotes sobreviveram e reproduziram com um ano de idade, o que só aconteceu com 6,6% dos filhotes nascidos depois desse período.
Barclay tem uma pista que pode ajudar a explicar o favorecimento pelo nascimento de um dos sexos. É que as fêmeas dessa espécie produzem mais de um óvulo por vez, o que permite a formação de vários embriões. No entanto, elas dão à luz apenas um ou dois filhotes por ano. “Deve haver um mecanismo no qual o corpo da mãe favorece o desenvolvimento dos embriões do sexo feminino em detrimento dos do sexo masculino”, conjectura. Mas como ela de fato seleciona um dos sexos ainda é um enigma.
Vale ressaltar que o desvio na razão sexual não foi observado em todos os anos de estudo. Em alguns deles a razão sexual observada foi de um para um, pois os nascimentos ocorreram no verão. Nesses casos, as fêmeas também não conseguem atingir a maturidade sexual no primeiro ano de vida e, portanto, não há vantagens em produzir filhotes desse sexo.
Joyce Santos
Ciência Hoje On-line