A narrativa de um cotidiano sem acontecimentos que descortina, quase sem piedade, uma existência trágica de fim compatível
A narrativa de um cotidiano sem acontecimentos que descortina, quase sem piedade, uma existência trágica de fim compatível
CRÉDITO: FOTO DIVULGAÇÃO
Macabéa é personagem de A Hora da Estrela, novela que Clarice Lispector (1920-1977) publicou em 1977, e que traz como principal novidade a tentativa de fuga da autora de uma escrita intimista que a perseguiu desde sempre. Clarice é reconhecida por construções de diálogos interiores, por filosofar sobre o mundo dos homens e dos bichos; uma escrita que muitas vezes não quer e não pode chegar a lugar algum, dado que seu projeto estético era também essa indefinição de fim; no entanto, Macabéa tem seu final garantido pelo narrador, que, neste caso, é um homem, porque talvez uma mulher que narrasse a vida dessa pobre datilógrafa nordestina, teria hesitado em lhe dar o fim que lhe coube.
Uma moça pobre, feia, sem qualquer atrativo, nem “pobreza enfeitada” possuía. Era burra, não sabia bater na máquina as palavras dos documentos que seu chefe colocava em cima da mesa. Além disso, sempre sujava os papéis. Macabéa não era nada, não possuía nada, a não ser as marcas da pobreza, um corpo magro, amarelado e com dor de dente: “Macabéa tinha um corpo cariado”.
O improvável na história, no entanto, acontece. Macabéa conheceu Olímpico de Jesus Moreira Chaves, que, na verdade, era só Olímpico de Jesus, sobrenome dado aos que não tem pais reconhecidos – Moreira Chaves ele acrescentava para lhe dar importância, coisa que Macabéa desconhecia, pois nunca se achou importante, nunca se achou nada. Um dia se olharam e começaram a se encontrar, mas ela nunca tinha o que dizer, e o namoro era ralo, insípido, e Olímpico de Jesus deu o relacionamento por terminado.