A desigualdade como projeto

A naturalização de uma ordem social hierárquica e desigual como base de formação do Brasil é tema central do livro A sociedade perfeita

A sociedade perfeita: as origens da desigualdade social no Brasil

João Fragoso

Editora Contexto, 2024, 352 p.

Consagrado um dos nossos principais historiadores na atualidade, João Fragoso desnuda as vigas do edifício da desigualdade brasileira em A sociedade perfeita. Fruto de extensa pesquisa bibliográfica e documental, o livro, lançado em 2024 pela editora Contexto, propõe uma história em que a concentração de riqueza e distinção social são elementos de base na formação do Brasil.

Para leitores não afeitos às discussões historiográficas sobre o período colonial brasileiro, cabe alertar que Fragoso é um dos principais críticos às teorias do “sentido da colonização” e do “Antigo Sistema Colonial”, teses clássicas que aprendemos na escola. Nelas, grosso modo, o Brasil seria colônia da metrópole, Portugal, que o exploraria. A colonização serviria, portanto, para o desenvolvimento do capitalismo nos centros europeus.

A crítica do autor a este modelo foi feita há mais de 30 anos. Em A sociedade perfeita, ele avança, e muito, nos seus postulados. De certa forma, o título da nova obra é uma metáfora aos fundamentos de uma cultura política sedimentada no Brasil desde seus primórdios. A dita perfeição reside no processo de naturalização de uma ordem social hierárquica e desigual. 

Por mais estranho que pareça, segundo tratados políticos e religiosos medievais e modernos, muito distantes das atuais noções de igualdade e democracia, a desigualdade era sinal de que a sociedade funcionava bem, assim como um corpo, cada parte tinha seu lugar em uma ordem naturalmente hierarquizada. Desta forma, a diferença entre as pessoas, o uso da autoridade, da opressão, da inferiorização, das relações de dependência ou da violência seriam todos elementos naturalmente dados e que deveriam ser aceitos fatalmente por todos.

A desigualdade e as hierarquias não eram dadas pelo mercado liberal, mas pela tradição. A ordem era natural, dada por Deus, logo as relações de poder e a obediência deveriam ser respeitadas.