“Mas, que haveria acontecido no Brasil se por ventura o pessoal que em quarenta anos chefiou o batuque solene tivesse afirmado a nossa Raça luso-índio-negra, em lugar de fazer, do Lar nacional, uma pagodeira internacional, em que todo estrangeiro chegado na véspera mandou, deu leis e conselhos de perdição? Que seria do Brasil hoje se não tivesse sido sempre negada a nossa Gente Negra que, enquanto se processava o banquete dos imigrantes, ficou por aí, à margem da vida nacional, cedendo lugar a todos os oportunistas de arribação?”
Pagodeira internacional? Banquete dos imigrantes? No trecho acima, extraído do artigo intitulado ‘A afirmação de raça’, Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978), então presidente da Frente Negra Brasileira (FNB), a maior organização do movimento negro brasileiro na primeira metade do século 20, demonstrava, na primeira página do jornal A Voz da Raça, de 10 de junho de 1933, como segmentos da população negra observavam e questionavam a política imigratória implementada pelos sucessivos governos brasileiros desde o início da República. Mas por que falar em política imigratória em um artigo sobre racismo no Brasil?
Precisamos lembrar que, no final do século 19, as teorias raciais modernas, criadas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, dominavam o pensamento social brasileiro. Essas teorias começaram a ser construídas e utilizadas a partir do século 16, ao longo do processo de ‘conquista das Américas’ pelos povos europeus, para tentar justificar uma hierarquia que supostamente existiria entre as diferentes raças, sendo que a raça branca europeia era considerada superior às demais. Com o imperialismo, em meados do século 19, o projeto de poder da modernidade europeia estava consolidado como hegemonia no mundo, utilizando o racismo como justificativa para a dominação de povos nas Américas, na África e na Ásia.
Amilcar Araujo Pereira
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Antirracista (Gepear),
Universidade Federal do Rio de Janeiro