A literatura no navio negreiro

De Castro Alves ao Rappa, a arte e a literatura espelham como a nossa sociedade segue asfixiando os negros até a morte.

Em tempos racistas e claustrofóbicos, em que se asfixiam os pretos até a morte, a literatura deve ser um instrumento de denúncia, como foi o mais exuberante e contundente poema sobre a travessia maldita que os africanos foram obrigados a fazer para várias partes do mundo: o Navio negreiro, do nosso poeta dos escravos. Castro Alves, infelizmente, morreu antes de ver seu poema publicado, mas deixou incrustado nele o seu grito abolicionista.

Baiano, nasceu em 1847, cresceu em meio à escravidão, iniciou seus estudos em Direito, lutou pela causa abolicionista, escreveu vários poemas e morreu, em 1871, antes da abolição. É possível, segundo estudos sobre a sua vida, que Castro Alves tenha lido o poema de mesmo nome, do alemão Heinrich Heine (1797-1856), publicado em Paris, na França, no ano de 1854. Mas somente 14 anos depois ele escreveu o nosso Navio negreiro, poema com 240 versos, que até hoje faz nosso sangue gelar diante de tanta crueldade. O poeta pede emprestado as asas do albatroz para nos levar a ver, do alto, as iniquidades que imperaram nos navios negreiros por quase 400 anos.

 

E se hoje não estamos mais em pleno mar, ainda temos os nossos navios negreiros que são os camburões, os veículos que transportam presos dentro do sistema penitenciário e as cadeias, como na letra do Rapa: “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”.

Georgina Martins

Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras)
Curso de Especialização em Literatura Infantil e Juvenil, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escritora de livros para crianças e jovens