A migração que deu samba

Moderno e urbano, o samba carioca tem suas raízes fincadas no passado e em tradições de africanos e seus descendentes vindos de outros pontos do Brasil. Se o seu ‘sotaque’ da Bahia é bem conhecido e registrado na gravação fonográfica de Pelo telefone, do descendente de baianos Donga, é importante também focar em outro grupo, pouco valorizado nesse caldo cultural do gênero musical mais identificado com os brasileiros: os migrantes negros do Vale do Paraíba.Oriundos dos velhos vales de café do interior dos estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, eles rumaram à então capital do país depois da abolição. Esses grupos carregaram na bagagem o calango, o jongo, a folia de reis e outros ritmos e tradições que se espalharam pelas áreas que são berço das mais tradicionais escolas de samba do Rio de Janeiro.

Escravos em terreiro de uma fazenda de café no Vale do Paraíba, por volta de 1882.
Foto: Marc Ferrez – Coleção Gilberto Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles

O compositor, escritor e pesquisador Nei Lopes já mostrou, há algum tempo, o quanto o chamado samba moderno e urbano do Rio de Janeiro, das primeiras décadas do século 20, nasceu, ao mesmo tempo, negro e “absolutamente novo e carioca”. Sem deixar de dialogar com o passado, Lopes defende, em seu livro O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical, que esse samba devia muito a “tradições e matérias-primas anteriores”, (re) criadas pelos africanos e seus descendentes, em várias partes do Brasil.

Mas como foi possível surgir um produto negro – fruto de tradições e de modernidades – chamado de samba, que logo faria sucesso na indústria fonográfica, nas ondas do rádio e nas festas de carnaval, das mais populares às mais elitizadas, revolucionando as concepções musicais mundiais? Quais as raízes desse gênero musical que, impulsionado por políticas culturais ao longo do século 20, se transformou num símbolo do que havia de mais brasileiro, mas um Brasil mais identificado com os ideais da mestiçagem e pretensamente integrado culturalmente?

Martha Abreu

Instituto de História
Universidade Federal Fluminense e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro