Automutilação como estratégia de sobrevivência

Análise de milhares de exemplares de coleções científicas revela fatores que influenciam répteis sem patas a quebrarem a própria cauda como defesa. Serpentes e anfisbênias que vivem em climas mais quentes sofrem mais ataques de predadores

CRÉDITO: FOTO LEANDRO OLIVEIRA DRUMMOND

Sobreviver na natureza exige, entre outros desafios, evitar ser devorado. A produção de toxinas, a camuflagem e uma fuga rápida são algumas estratégias desenvolvidas ao longo da evolução. Métodos defensivos mais dramáticos também surgiram no mundo animal, como a capacidade de perder uma parte do corpo para escapar de um predador. Esse comportamento, chamado de autotomia, palavra de origem grega que significa ‘automutilação’, é observado em caranguejos, polvos, aranhas e até em salamandras e lagartos.
Nem todos os lagartos fazem autotomia, mas as espécies com essa capacidade podem perder uma parte da cauda para desviar a atenção do predador enquanto salvam a própria pele – comportamento também conhecido como urotomia (‘amputação da cauda’). Ao longo de algumas semanas, a cauda se regenera com duas diferenças básicas: a substituição das vértebras ósseas por um bastão de cartilagem e uma organização distinta das novas escamas, o que deixa nítido que a cauda foi regenerada.

Mesmo essas cartas, feitas pelos militares e juristas que os apoiavam, asseguravam garantias que, em tese, seriam contraditórias com a circunstância de se viver um regime autoritário

Cicatrizes e ‘cotoco’

Anfisbênias (popularmente chamadas de ‘cobras-de-duas-cabeças’) e serpentes são evolutivamente lagartos sem patas; muitas espécies fazem autotomia, mas não conseguem regenerar a cauda. Portanto, quando serpentes e anfisbênias são atacadas por predadores, formam-se cicatrizes e um ‘cotoco’, o que torna esses animais ideais para estudos sobre ocorrência e intensidade de predação desses répteis na natureza.
Um estudo publicado em setembro deste ano no Journal of Animal Ecology, liderado pelo biólogo brasileiro Mario Moura, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – hoje na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – concluiu que serpentes e anfisbênias que vivem em climas mais quentes sofrem mais ataques de predadores. Para chegar a esse resultado, foram analisados mais de 8 mil espécimes de 44 espécies de serpentes e anfisbênias, a maioria do Brasil, mas também de outros países da América do Sul, América Central, África e Europa.

Um estudo publicado em setembro deste ano no Journal of Animal Ecology, liderado pelo biólogo brasileiro Mario Moura […] concluiu que serpentes e anfisbênias que vivem em climas mais quentes sofrem mais ataques de predadores

Todo esse material encontra-se preservado em 61 coleções científicas de dez países. O trabalho contou com uma força-tarefa de 34 pesquisadores de 27 instituições do Brasil, Argentina, Paraguai, Colômbia, Equador, Espanha e Estados Unidos.