Vice-diretora de Pesquisa e Inovação da Fiocruz na Amazônia, Stefanie Lopes fala da importância de se desenvolver um imunizante contra a forma mais comum da doença no Brasil e analisa crise sanitária que afetou povo Yanomami
Vice-diretora de Pesquisa e Inovação da Fiocruz na Amazônia, Stefanie Lopes fala da importância de se desenvolver um imunizante contra a forma mais comum da doença no Brasil e analisa crise sanitária que afetou povo Yanomami
Como parte do esforço dos cientistas para gerar ferramentas que possam apoiar as estratégias para eliminar a malária do Brasil até meados da década de 2030, a Fiocruz Amazônia participa de um projeto para desenvolver uma vacina contra a malária vivax, forma predominante da doença em nosso país. O imunizante, cujo estudo tem à frente a Universidade de Kanazawa, no Japão, combina duas proteínas para trabalhar em duas frentes: impedir que o parasita alcance o fígado e se desenvolva nos humanos, e neutralizar a infecção do vetor, para que o mosquito Anopheles não mais transmita a doença. Vice-diretora de Pesquisa e Inovação da Fiocruz Amazônia, Stefanie Lopes explica em que estágio está o trabalho e a importância dessa doença para a saúde indígena, como se viu na recente crise sanitária do povo Yanomami. “Houve uma desassistência por parte do Estado que levou esta população a não ter acesso ao diagnóstico e, por consequência, a não ter medicação, tratamento. Não houve desabastecimento de medicamentos, o que ocorreu com grupos desassistidos foi a falta de presença para identificar o aumento de casos”, afirma a pesquisadora.
CIÊNCIA HOJE: Como se deu o desenvolvimento dessa vacina?
STEFANIE LOPES: Aqui em Manaus faço uma parte desse grande projeto que é desenvolvido por diversas instituições japonesas e conta com financiamento da GHIT Funding, tendo à frente o doutor Shigeto Yoshida, da Universidade de Kanazawa [Japão], que é o desenvolvedor dessa formulação vacinal. Essa vacina atua contra o parasita no hospedeiro humano e, também, tentando evitar a infecção do hospedeiro que é o vetor, que transmite a doença de uma pessoa para outra. Ela tem na sua forma a proteína CSP, presente na vacina que já está em uso em diversos países da África e na vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford [Reino Unido]. Então ela tem esse pedaço do parasita, essa proteína, que é um alvo estudado já há muitos anos e com poder de proteção para as infecções nos humanos. Essa proteína tem um papel importante para impedir que o parasita chegue ao fígado, que é o primeiro local em que ele se instala, e, por causa disso, os anticorpos e a resposta celular produzidos por uma vacina poderiam impedir a entrada do parasita e seu desenvolvimento nos humanos. É o que a gente vê hoje com a vacina Mosquirix, primeiro imunizante aprovado para combater a malária e que está em uso na África. Nela, essa proteína está sozinha na formulação, e a forma como está sendo administrada, juntamente ao vírus da hepatite B, oferece uma proteção dos quadros graves e de mortalidade. Essa vacina não traz a imunidade estéril, ou seja, a pessoa ainda terá resquícios de parasita, mas a doença será muito menos grave.
Associada a essa proteína que, já sabemos, garante uma proteção, temos uma proteína importante na infecção do vetor, a Pvs25. A equipe de Kanazawa criou, então, uma vacina com essas duas proteínas. A ideia é que, ao picar uma pessoa já vacinada, o mosquito não se infecte. Mesmo que a infecção se desenvolvesse no indivíduo, o mosquito poderia não ser infectado e transmitir a doença. Então há um efeito no indivíduo, ao reduzir a gravidade, e um efeito comunitário ao reduzir a transmissão da doença para o vetor. Essa ideia não é nova, não é deles, já é preconizada no processo de desenvolvimento de vacinas para malária, mas a forma como a desenharam, com dois vetores virais para a produção da vacina – vimos na vacina da covid diversos vetores virais serem usados para buscar a proteção – aumenta o potencial de resposta imune. Isso no modelo experimental, no qual estamos trabalhando hoje.