Você já deve estar cansado de saber que os alemães foram os grandes vencedores da Copa do Mundo de 2014. Mas se, antes de o evento começar, alguém lhe falasse que, de acordo com alguns cálculos estatísticos, a Alemanha seria a campeã, você acreditaria?
Após analisar um enorme banco de dados, o economista Ricardo Manuel Santos, da Universidade Trinity, em San Antonio, nos Estados Unidos, observou que, de fato, a Alemanha era a equipe com mais chances de levantar a taça da Copa do Mundo – com uma probabilidade de êxito de 26,6%.
Já a Argentina, vice-campeã, fora apontada como segunda colocada na lista de favoritos do estudo. Os hermanos tinham 21,8% de chance de conquistar o título. O Brasil ficou como terceiro melhor cotado, com 6% de probabilidade de chegar ao hexacampeonato. O estudo de Santos foi publicado em maio – dias antes do início da competição – em uma revista da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e em breve será submetido a uma revista especializada.
Em busca de uma explicação
De quatro em quatro anos, acontece a Eurocopa – torneio que, para os torcedores daquele continente, só tem menos importância do que a Copa do Mundo. E foi durante o último campeonato europeu que, torcendo pela seleção de seu país, Portugal, Santos teve o impulso inicial para realizar a pesquisa.
Ele observou que, devido às dificuldades que os portugueses frequentemente enfrentavam na fase classificatória, que começa dois anos antes do torneio, a seleção sempre chegava desacreditada à competição. Entretanto, a equipe acabava fazendo boas campanhas. Isso, para Santos, foi uma indicação de que fazer uma fase classificatória ruim não influenciava em nada o desempenho do time no torneio.
Mas o que influencia, então? O que faz com que uma equipe realmente seja favorita a disputar um título? Foram dúvidas que intrigaram o pesquisador português. Sua investigação começou em 2013. “Apresentei alguns resultados iniciais, referentes à Eurocopa, mas as pessoas queriam era saber do mundial, que seria realizado em 2014”, conta. “Assim, resolvi mudar o enfoque da pesquisa.”
O modelo
Para poder traçar probabilidades, Santos criou um modelo econométrico. É um modelo que usa ferramentas estatísticas e matemáticas para mostrar a relação entre um fenômeno qualquer e suas possíveis variáveis explicativas. No estudo em questão, o fenômeno é a probabilidade de cada equipe vencer a Copa; e as variáveis são os dados da história recente do futebol, que foram usados para gerar as estatísticas.
Eis alguns exemplos de dados analisados por Santos: o ranking da Fifa; a existência de uma ou mais estrelas no time; o fato de a equipe ser ou não anfitriã do torneio; a distância de cada país em relação ao país-sede do evento; a experiência da equipe, de acordo com o número de mundiais anteriores dos jogadores e do treinador; se o time vencera alguma das três Copas anteriores… E por aí vai.
Segundo o pesquisador, uma das grandes utilidades desse modelo é que ele permite não só identificar os fatores que importam no comportamento dos fenômenos, mas também quantificar o quanto eles realmente pesam a favor ou contra determinado cenário.
Jogando em casa
De acordo com o modelo, ser anfitrião do evento é um fator que aparenta ter bastante importância nos cálculos probabilísticos. Não à toa, seis anfitriões já levantaram a taça dentro de casa. E vários outros fizeram boas campanhas durante o torneio.
O leitor há de se perguntar: por que, então, esse fator não influenciou positivamente o Brasil a ponto de fazer a seleção vencer a competição? Santos tem uma resposta. Ele observou que, nos últimos 40 anos, apenas em duas ocasiões uma seleção foi campeã duas vezes em um intervalo de 12 anos – Brasil, em 1994 e 2002; e Argentina, em 1978 e 1986.
“Constatei que o ciclo geracional é um fator importante”, diz Santos. “As equipes têm performances que seguem tendências cíclicas: há um período de construção, seguido de crescimento e auge, e em seguida vem o declínio, seguido de um período de renovação”. Por isso, as seleções dificilmente conseguem ser campeãs mais de uma vez em um intervalo de poucos anos.
Por incrível que pareça, essa constatação é confirmada pelo desempenho dos últimos três campeões do mundo nessa última Copa: enquanto o Brasil acabou sendo derrotado de forma vexatória, Itália e Espanha não conseguiram sequer ir além da primeira fase da competição.
Se um dos problemas do Brasil pode ter sido o ciclo geracional, o período de renovação seria o caminho mais correto. Mas o panorama não parece muito promissor. O torcedor brasileiro viu, recentemente, a volta de Dunga ao comando da seleção. Trata-se de um treinador que já esteve à frente do Brasil durante uma Copa do Mundo – e, segundo o estudo, a experiência do treinador não é um fator determinante para a conquista de um título. Muito pelo contrário: Santos mostrou que, em um grupo de 20 treinadores que já foram campeões do mundo, 13 deles eram estreantes no torneio.
Todos esses dados, analisados e devidamente incluídos no modelo econométrico de Santos, transformam-se em números e sugerem a probabilidade de cada equipe vencer. A pesquisa só conta com informações levantadas desde a Copa do Mundo de 1994 – pois uma das variáveis explicativas é o ranking da Fifa, que só existe desde 1993.
Fatores determinantes para um time campeão
Santos concluiu que os fatores mais determinantes para uma equipe vencer são: ter uma geração de jogadores beirando o auge; não ter vencido nenhum dos três torneios anteriores; e ser a sede do evento.
O modelo acertou na mosca a previsão de vencedores para quatro das últimas cinco Copas do Mundo. O único erro foi na Copa de 2006 – o modelo indicara como favorita a Alemanha, então país-sede. Naquela competição, os alemães ficaram em terceiro lugar. E o título foi para a Itália.
Em tempo: Santos não usou dados do chaveamento dos grupos para compor seu estudo. A inclusão desse tipo de dado, em uma futura projeção, poderá ajudar a apurar ainda mais a precisão das probabilidades.
Mesmo com o sucesso do modelo, vale lembrar que existe sempre uma margem de incerteza nesse tipo de estudo. “A possibilidade de erro é indesejável, naturalmente, mas, na perspectiva de fã de futebol, é ótimo que haja incerteza”, comenta o pesquisador lusitano. “Quem assistiria aos jogos se já conhecêssemos os vencedores?”
Gabriel Toscano
Ciência Hoje On-line