Propaganda para ‘novellas’

“Sahio á luz a Novella intitulada a Filosofa do Amor, ou Cartas de dois Amantes apaixonados e virtuosos, 2 vol., por 1$920 réis; que tem merecido geral acceitação em todos os idiomas.”

Uma senhora do século 19 provavelmente se interessaria pelo romance, ou ‘novella’, divulgado no anúncio, veiculado na Gazeta do Rio, em 25 de março de 1812. O preço acessível e as histórias quase sempre de amor tornavam os livros atraentes para este público-alvo.

O objetivo dos anunciantes era esse mesmo: despertar a atenção de senhoras e jovens para a aquisição de exemplares do gênero em idioma original – francês ou inglês – ou traduzidos para português. Obras nacionais mesmo só surgiriam a partir de 1843, com O filho do pescador, de Teixeira e Souza. 

O objetivo dos anunciantes era despertar a atenção deleitores para a aquisição de romances em idiomaoriginal ou traduzidos

Os anúncios de romances publicados em jornais da época foram objeto de estudo de Regiane Mançano, formada em Letras, em seu mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Na dissertação Livros à venda: presença de romances em anúncios de jornais, ela analisa três jornais do século 19: o Correio Braziliense, a Gazeta do Rio e Jornal do Commercio, entre os anos de 1808 e 1844.

Eles vinham impressos na parte inferior da página, em uma seção conhecida como ‘Quadro de Avizos’ – na grafia da época –, similar aos atuais classificados. Apareciam em meio a anúncios de fuga de escravos e obituários, e sem ilustrações ou fotos, como de costume na publicidade de hoje. “Eles procuravam destacar o título, o preço das obras e a qualidade das impressões”, explica a pesquisadora. 

Anúncio de romance no século 19
Os anúncios assumiam o papel de crítica literária e procuravam destacar o caráter moralizante da obra. Aqui, a leitura de‘Paciência e trabalho’ é recomendada a ‘todos os casados’. Jornal do Commercio, 18 de março de 1840 (reprodução).

Moral e bons costumes

Além da ênfase no preço e na qualidade das impressões, Mançano observou a presença de adjetivos que atribuíam juízo de valor às obras. Termos como ‘galante’, ‘moral’ e ‘instructiva’ mostram que a estratégia dos livreiros para fisgar compradores passava por afirmar os valores da sociedade.

“Os romances tinham um caráter instrutivo e moralizante, voltados principalmente para as mulheres, que eram consideradas um espírito vulnerável. Esse aspecto do gênero é ilustrado por alguns anúncios e contribuiu para sua aceitação entre os leitores”, explica Mançano. 

“Os romances tinham um caráter instrutivo e moralizante, voltados principalmente para as mulheres”

Personagens que traíam maridos, por exemplo, costumavam ser punidas no fim do livro. Uma tentativa de desencorajar leitoras que viessem a cogitar uma escapadela.

Obras como Jaquelina, a Baroneza de Veletri e Paulo e Virgínia são exemplos de obras de cunho moralizante. Outras obras eram classificadas como ‘jocosas’ ou ‘divertidas’ – como Diabo Coxo, Tom Jones e Novellas Orientaes.

No entanto, a pesquisadora diz que a capacidade de divertir atribuída a alguns títulos não era sinal de que eles seriam menos instrutivos ou moralizantes que os demais, e sim que essas lições eram passadas de maneira amena.

Os próprios livreiros assumiam o papel de difusores do romance para aumentar seus lucros. E, diante da presença escassa de crítica literária nos periódicos analisados, as opiniões exibidas nos anúncios acabavam sendo decisivas para o sucesso dos livros. “O anúncio assume o papel de crítica e ajuda no processo de popularização dos romances”, diz a pesquisadora.

 

Retorno nas vendas

Os anúncios custavam caro aos livreiros – na Gazeta do Rio, por exemplo, cada linha impressa saía a cerca de 200 réis, mais ou menos o mesmo que uma garrafa de aguardente, segundo Mançano. Mas, de acordo com a pesquisadora, a quantidade de anúncios indica que o investimento valia a pena. “Um livreiro não pagaria caro para anunciar um produto que não trouxesse um retorno financeiro depois”, considera a pesquisadora.

“Era vasta a oferta de artigos importados para quem quisesse vestir-se, alimentar-se ou ler como europeus”

A popularização de obras francesas e inglesas entre os leitores cariocas refletia o momento vivido pelo país, que respirava os ares do Velho Mundo. “Era vasta a oferta de artigos importados da Europa, principalmente da França, para quem quisesse vestir-se, alimentar-se ou ler como europeus”, descreve o artigo.

Se facilidades de comunicação com a Europa e inovações tecnológicas como o telégrafo elétrico ajudaram na consolidação do romance no país nos idos de 1850, hoje a internet tem papel semelhante na divulgação do gênero. “Hoje, há pessoas que escrevem seus romances na internet e publicam textos do gênero em redes sociais”, aponta Mançano.

As mudanças, entretanto, não devem ameaçar o apelo de se folhear um romance com intimidade de um livro impresso. “Há espaço para as duas formas. Não acredito que uma irá excluir a outra”, diz a pesquisadora.

Debora Antunes
Ciência Hoje On-line