Proteína da jaca inova tratamento de queimaduras

A pista para um tratamento mais eficiente de queimaduras pode estar na jaca, indica um estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP). Pesquisadores descobriram que a lectina KM+, proteína presente na semente da fruta, diminui o tempo de recuperação e evita a necrose de tecido em casos de queimaduras na pele.

As imagens acima mostram o dorso de dois ratos fotografados 24 horas após terem sido queimados em laboratório. O da direita foi tratado com a pomada de lectina KM+, e o da esquerda, com uma pomada inócua

O grupo estuda as lectinas e seu efeito sobre as células dos mamíferos há dez anos. A idéia de usar a descoberta no tratamento de queimaduras partiu de um dos bolsistas do projeto, estudante de medicina. “Ele queria enxergar uma aplicação prática daquilo que estávamos pesquisando”, conta Maria Cristina Roque Barreira, uma das coordenadoras do estudo. “Supunha que, como a KM+ atraía células de defesa do organismo para o local lesado, poderia ser útil na prevenção de infecções associadas a queimaduras.”

Em seguida, a hipótese foi testada em ratos. Os animais tratados com a pomada que continha a lectina melhoraram rapidamente, antes mesmo de haver tempo para uma infecção. Foi quando a equipe percebeu que a KM+ acelerava a regeneração do tecido queimado e evitava a necrose. Isso acontece porque a proteína estimula a multiplicação das células sadias e a produção de colágeno, além de facilitar a formação de novos vasos sangüíneos para irrigar o local afetado.

Nos testes, a pomada foi eficaz em queimaduras de diferentes extensões e profundidades e provocou uma resposta 80% mais eficiente que o tratamento sem a KM+. Outra vantagem é que, ao contrário do processo natural de cicatrização, o tratamento com a lectina da jaca não deixa marcas. Isso acontece porque o local afetado, em vez de ser recomposto por células do tecido conjuntivo, é reconstruído por células idênticas às anteriores, obtidas graças à reprodução das células sadias.

Como as quantidades de KM+ presentes na semente da jaca são mínimas e não há cultivo regular da fruta, foi necessário desenvolver um método capaz de produzir a lectina em larga escala. Para isso, entrou em cena uma outra equipe da USP de Ribeirão Preto, coordenada por Maria Helena Goldman, do Laboratório de Biologia Molecular de Plantas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

A solução encontrada foi identificar, no DNA da jaca, o gene responsável pela produção de KM+ e implantá-lo em leveduras que passaram a agir como uma usina de produção artificial da lectina. Recentemente, a equipe desenvolveu um método para produzir a lectina em bactérias, ainda em fase de testes. Maria Helena acredita que a nova técnica poderá aumentar a produção de KM+ e reduzir seus custos.

Os pesquisadores estimam que, em cinco anos, a pomada deve estar disponível para uso clínico. Antes disso, é preciso fazer testes em voluntários humanos. Segundo Maria Cristina Barreira, essa já não é uma missão da universidade. “Esperamos que uma empresa farmacêutica se responsabilize por essa parte”, justifica. A USP e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que financiou o estudo, devem negociar com os laboratórios a produção do medicamento.

Catarina Chagas
Ciência Hoje On-line
01/04/04