Proteína do gambá pode combater veneno de cobras

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O gambá sul-americano ( Didelphis marsupialis ) e outros marsupiais são imunes ao veneno das serpentes da família dos viperídeos, à qual pertencem jararacas, cascavéis e outras espécies.

Gambás e outros marsupiais caçadores de cobras são naturalmente resistentes ao veneno das serpentes. Aos poucos, uma equipe de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz começa a entender o mecanismo por trás dessa imunidade. Em 2002, os cientistas identificaram e isolaram do sangue do gambá sul-americano ( Didelphis marsupialis ) duas proteínas que inibem toxinas presentes no veneno das cobras. O grupo acaba de clonar e seqüenciar os fragmentos de DNA responsáveis pela síntese dessas moléculas.
 
No futuro, as proteínas podem dar origem a um novo soro para o tratamento dos acidentes com cobras, tanto no homem como nos animais. Os resultados se mostram ainda extremamente promissores para o tratamento de doenças como o câncer de mama.
 
A equipe do bioquímico Jonas Perales, chefe do Laboratório de Toxinologia do Instituto Oswaldo Cruz, testou inicialmente o efeito de amostras extraídas do sangue do gambá sul-americano sobre o veneno das serpentes. “Constatamos que frações protéicas se mostraram capazes de proteger animais de experimentação do efeito letal do veneno”, conta Perales. “Além disso, constatamos uma ação benéfica sobre sintomas como hemorragia e necrose dos músculos.”
 
Em seguida, com a colaboração de cientistas de outras instituições de pesquisa, o grupo desvendou a estrutura e função de uma das moléculas responsáveis por neutralizar as toxinas do veneno: a DM43, que inibe as proteínas do veneno que causam a hemorragia decorrente da picada, chamadas metaloproteinases. O grupo identificou no sangue do gambá uma segunda proteína – a DM64 –, capaz de neutralizar os mecanismos químicos que provocam lesões musculares nas vítimas.
 
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Modelo da estrutura tridimensional da proteína DM43, isolada do sangue do gambá. As regiões representadas em vermelho reconhecem e inibem as proteínas do veneno que causam a hemorragia decorrente da picada (reprodução/ The Journal of Biological Chemistry ).

 
A caracterização dessas proteínas mostrou que elas ocorrem em concentração constante no sangue dos marsupiais e pertencem ao grupo da superfamília das imunoglobulinas (moléculas do sistema imune do organismo), embora não sejam anticorpos.
 
Após identificar os genes do gambá responsáveis pela síntese das proteínas DM43 e DM64, os cientistas se dedicam no momento à manipulação dessas proteínas em laboratório . “Elas estão sendo utilizadas como ferramentas em ensaios para elucidar os mecanismos envolvidos no envenenamento por serpentes”, explica Perales.
 
Em testes realizados pela equipe, o efeito antiofídico das proteínas identificadas mostrou-se mais eficaz que o dos soros normalmente utilizados. No entanto, a produção em larga escala dessas moléculas ainda é inviável, pois exigiria que muitos gambás fossem sacrificados para a obtenção de uma pequena quantidade de soro. Para contornar esse obstáculo, seria preciso sintetizar as proteínas em laboratório.
 
Uma perspectiva mais concreta de aproveitamento das proteínas identificadas é o uso

da tecnologia proteômica para testar a eficiência dessas moléculas com fins terapêuticos. Algumas metaloproteinases presentes no veneno de serpentes são análogas àquelas que atuam no desenvolvimento de alguns tumores e em doenças como a osteoartrite. Elucidar a ação da proteína DM43 – que é capaz de neutralizar as metaloproteinases das serpentes – pode levar à criação de tratamentos para combater essas patologias. 


Juliana Furlaneto
Especial para a CH On-line
19/09/05