Portadores de uma mutação em um gene associado à dilatação dos vasos sanguíneos têm mais chances de desenvolver problemas cardiovasculares como a hipertensão e o infarto, além de ter seu desempenho físico prejudicado. É o que sugere um estudo brasileiro que identificou um único gene responsável por cerca de 90% da capacidade de dilatação das artérias e veias do corpo humano.
A dilatação dos vasos sanguíneos do corpo humano é quase totalmente regulada por um único gene. Por isso, portadores de mutação nesse gene têm mais chances de desenvolver problemas cardiovasculares (foto: sxc.hu).
Esse gene produz uma enzima denominada eNOS, que sintetiza óxido nítrico, substância responsável pela dilatação e pela proteção interna dos vasos sanguíneos. Ele já havia sido localizado no genoma humano e sua relação com a vasodilatação já era conhecida. Mas não se sabia até agora que uma mutação no código desse gene é capaz de prejudicar o funcionamento da enzima eNOS.
A pesquisa, parte do doutorado do fisiologista Rodrigo Dias na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi desenvolvida no Instituto do Coração (Incor), da Universidade de São Paulo, sob a orientação do fisiologista Carlos Eduardo Negrão. A descoberta foi publicada recentemente na revista Physiological Genomics e ganhou o prêmio de melhor trabalho no último Congresso Brasileiro de Cardiologia, realizado em 2008.
Dilatação e exercícios físicos
Para entender o verdadeiro papel do gene responsável pela produção da eNOS, Dias e sua equipe analisaram o DNA de cerca de mil pacientes do Incor e descobriram que 8% deles apresentavam a mutação nesse gene. “A frequência da mutação observada nessa pequena população é representativa de sua frequência na população brasileira de uma forma geral”, afirma Dias à CH On-line.
Em seguida, desses mil pacientes previamente analisados, 33 indivíduos saudáveis foram submetidos a um exame que avalia a dilatação dos vasos sanguíneos durante a realização de exercício físico. A ideia era investigar se a mutação identificada gerava maior ou menor dilatação dos vasos em resposta ao exercício. ”Como, durante exercícios, a resposta fisiológica esperada é a dilatação dos vasos que irrigam o músculo exercitado, uma eventual influência do gene mutante poderia ser percebida”, explica Dias.
O fisiologista se surpreendeu ao descobrir que os portadores da mutação tinham capacidade vasodilatadora 90% menor que a dos outros pacientes. “Mas ainda precisávamos confirmar que a mutação identificada era mesmo a responsável pela alteração observada”, afirma.
A equipe repetiu a análise nos mesmos 33 indivíduos após injetar neles uma droga que bloqueava por alguns minutos o efeito da enzima eNOS. Os pesquisadores constataram que os portadores da mutação não tiveram sua capacidade de vasodilatação reduzida – ou seja, ela continuava 90% menor que o normal –, ao passo que os pacientes sem a alteração genética sofreram uma queda acentuada nessa resposta fisiológica à atividade física. “Esse resultado confirma nossa hipótese de que a enzima produzida pelo gene mutante é deficiente em aumentar a produção do óxido nítrico durante o exercício”, conclui.
Resultados clínicos e ética esportiva
Segundo Dias, essa descoberta pode explicar, pelo menos em parte, por que algumas pessoas respondem melhor do que outras a medicamentos para tratamento de problemas cardiovasculares. “Além disso, é um primeiro passo para a elaboração de técnicas de prevenção e reabilitação dessas doenças”, completa o fisiologista.
O estudo também traz implicações relativas à ética esportiva. Como a mutação genética diminui a capacidade de vasodilatação, seus portadores poderiam apresentar pior desempenho durante a realização de atividade física, pois seus músculos estão sujeitos a receber menor quantidade de oxigênio, que circula no corpo através do sangue.
Nesse caso, um atleta com genética desfavorável poderia ser desconsiderado para competições de alto nível, uma vez que seu desempenho seria inferior ao de outros competidores. “Essas questões relativas à genética e à sua influência na performance física humana precisam ser analisadas com bastante cautela”, pondera Dias.
Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
04/06/2009