Purgatório climático

O futuro apocalíptico apresentado por projeções climáticas recentes, no qual a Amazônia se transformaria em deserto até o final do século, pode não ser o mais provável. Novo estudo internacional, com a participação de pesquisadores brasileiros, sugere que as florestas tropicais do planeta resistirão melhor que o imaginado às mudanças climáticas. As previsões mais otimistas da pesquisa apontam inclusive para um aumento da cobertura vegetal até 2100.

A pesquisa, publicada esta semana na Nature Geoscience, simula a resposta das florestas tropicais das Américas, da Ásia e da África nas próximas oito décadas à manutenção dos padrões atuais de emissões de gases-estufa e desmatamento. Para isso, foram usados 22 modelos climáticos rodados em supercomputadores e alimentados com dados sobre as emissões de dióxido de carbono (CO2) e os processos fisiológicos das árvores.

A maioria dos modelos previu um aumento de 5 graus na temperatura e um cenário sem redução da biomassa das florestas tropicais. Apenas um dos modelos, que apontou um aumento de 9 graus na temperatura, mostrou perda de cobertura vegetal na Amazônia e, por consequência, diminuição da capacidade da floresta de absorver CO2. 

O resultado geral contradiz a previsão do amplamente divulgado modelo climático do Centro Hadley, da Agência Nacional de Meteorologia do Reino Unido. Segundo a instituição, as mudanças climáticas provocadas pela emissão de CO2 até o fim do século seriam tais que provocariam grande perda das florestas e a savanização da Amazônia. 

O autor principal do novo estudo, Chris Huntingford, do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido, se diz surpreso diante de um futuro menos devastador. “Esperávamos encontrar mais cenários climáticos com redução da cobertura das florestas tropicais no futuro”, afirma. “Além disso, ficamos surpresos com o quão parecidas foram as previsões dos diferentes modelos que usamos.”

Huntingford: 
“Esperávamos encontrar mais cenários climáticos com redução da cobertura das florestas tropicais no futuro”

Já para outro autor da pesquisa, o meteorologista José Marengo, integrante do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os resultados não foram novidade. O cientista conta que outros estudos já vinham colocando em xeque os resultados do centro inglês e explica que os modelos usados na nova pesquisa são mais completos. 

“Todo modelo climático tem certas limitações, mas os modelos que usamos nesse estudo tentam diminuir essas incertezas ao incorporar mais dados sobre a resposta das plantas ao aumento de temperatura e CO2.”

Mais verde?

Outro ponto do estudo que vai contra as previsões feitas até agora diz respeito ao aumento da cobertura vegetal. Grande parte das novas simulações mostra que a biomassa das florestas tropicais, principalmente da Ásia e África, pode crescer até o fim do século.

Os autores explicam que o estranho comportamento se deve ao chamado efeito de fertilização de CO2. Com a abundância do gás na atmosfera, as plantas intensificam a fotossíntese e crescem mais. No entanto, Marengo alerta que existe um limite de saturação, quando o volume de CO2 é tanto que as plantas param de crescer e começam a morrer. 

“Esse fenômeno não é observado apenas em florestas, mas também na agricultura”, diz. “Muita gente observa um aumento na produção agrícola e pensa que o aumento de CO2 é benéfico, mas chega um ponto em que o efeito positivo desaparece.”

Congo
A floresta tropical do Congo (na foto) foi uma das que tiveram seu futuro simulado no estudo e mostrou resistência às mudanças climáticas. (foto: Flickr/ Bobulix – CC BY-NC-ND 2.0)

O meteorologista ressalta que assim como os modelos anteriores, os usados agora por sua equipe não estão livres de incertezas e por isso é difícil prever se vamos ou não ultrapassar esse limite de equilíbrio entre a quantidade de CO2 emitido pelo homem e absorvido pela floresta.

“Os modelos climáticos são como a previsão do ministro Guido Mantega que no ano passado projetou um valor de crescimento do PIB que não se confirmou, foi menor”, exemplifica. “Alguns modelos apontam um aumento de 6 graus na temperatura da Amazônia até 2100, outros apontam 2 graus. Não sabemos realmente a magnitude desse aumento, mas sabemos que todos os modelos apontam um aumento.”

Imprecisões

O meteorologista Marcos Heil, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que não participou do estudo, ressalta que ao mesmo tempo em que a pesquisa contribui para os estudos climáticos, traz mais incertezas sobre o futuro da floresta. Segundo ele, uma maneira de diminuir a imprecisão dos modelos seria complementá-los com dados de observação em campo.

Marengo: “Se antes as previsões falavam do inferno, agora falam do purgatório”

“As perguntas sobre o futuro do clima e das florestas tropicais não serão respondidas usando unicamente modelos”, comenta. “É fundamental termos experimentos na Amazônia onde possamos verificar os efeitos da elevação de temperatura e usar os resultados para calibrar e testar os modelos de dinâmica da vegetação amazônica. Esses são experimentos caros, mas que reduziriam bastante a incerteza que nós temos hoje.”

Apesar das falhas dos modelos climáticos e mesmo com a aparente melhoria das previsões sobre as florestas, Marengo alerta que é preciso continuar a insistir na preservação. 

“A Amazônia provavelmente não virará uma savana, mas temos que lembrar que mesmo pequenas alterações na temperatura podem alterar o ciclo das chuvas e o ecossistema”, diz. “Se antes as previsões falavam do inferno, agora falam do purgatório. E o que queremos é que o paraíso de agora se mantenha no futuro como o paraíso para a próxima geração.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line