Imagine que você queira fazer novos amigos, mas faz questão de conhecê-los pessoalmente. Famosos e bem conectados são bem-vindos. Para encontrar essas pessoas, você vai a uma rede social. Você acha uma celebridade, com milhões de amigos, mas ela está muito longe, do outro lado do mundo… No entanto, seu vizinho não é lá muito famoso, mas ele está logo ali – e nunca se sabe quando se vai precisar de uma xícara de açúcar ou um ovo emprestados. Artigo recente de três pesquisadores brasileiros estudou um sistema semelhante e chegou a conclusões surpreendentes.
As chamadas novas mídias (Facebook, Twitter, Instagram etc.) são bons exemplos daquilo que os físicos denominam redes. No caso, cada usuário representa um nó, enquanto as relações com os seguidores (‘amigos’) são as chamadas conexões. Redes podem ter várias dimensões. Um mapa com as linhas do metrô é um bom exemplo de uma rede bidimensional. Já um polímero, no qual as moléculas constituintes estão ligadas apenas à ‘companheira’ da esquerda e da direita, pode ser considerado uma rede unidimensional. Exemplo de rede tridimensional são os epicentros (os nós) de terremotos que podem estar ligados por falhas geológicas (conexões) e, além disso, ter profundidades distintas. Podem existir redes com mais de três dimensões, mas estas são impossíveis de visualizar.
Redes podem ser dotadas de uma propriedade denominada métrica. Quando isso ocorre, a distância entre os nós é um fator importante. Em nosso caso, a implicação prática é a seguinte: você gostaria muito de ser amigo, por exemplo, de um artista famoso europeu e muito bem conectado, mas ir a outro continente demandaria tempo e dinheiro. Por outro lado, conhecer um vizinho pode não acrescentar notoriedade a seu círculo de amizades, mas o ‘custo’ dessa conexão é praticamente zero.
Três físicos brasileiros, Constantino Tsallis, pesquisador emérito do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Samuraí Brito e Luciano Rodrigues da Silva, ambos do Departamento de Física Teórica e Experimental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), estudaram redes semelhantes àquelas descritas até aqui. E a forma como eles atacaram o problema pode ser expressa por meio de uma pergunta aparente mente simples: qual a probabilidade de você entrar em uma rede e se tornar amigo de uma celebridade?
Essa probabilidade (P) é diretamente proporcional ao número de conexões (k) que a tal celebridade tem. Mas essa mesma probabilidade tem um ‘fator de contenção’, que é a distância (r) que separa você do tal amigo famoso, elevada a um expoente (a). Portanto, a probabilidade de você se tornar amigo de alguém é expressa por P proporcional a k/ra. O expoente a pode ser entendido como o ‘grau de seu desejo de fazer uma amizade’. Se ele for muito baixo (por exemplo, zero), você estaria disposto a ir até o ‘outro lado do mundo’ para conhecer e se tornar amigo de alguém; se esse expoente for muito alto (digamos, 10), você só faria amizade com pessoas de seu bairro; se ele tendesse a infinito, seu círculo de amizades seria restrito aos vizinhos mais próximos.
Com a ajuda de computadores potentes, Brito, da Silva e Tsallis calcularam essa probabilidade para redes uni, bi, tri e quadridimensionais, fazendo variar o expoente a. Os resultados – publicados em Scientific Reports – trouxeram surpresas. A primeira delas é que a estatística que rege tais redes não é a ‘tradicional’, ou seja, aquela conhecida como estatística de Boltzmann-Gibbs, mas, sim, a chamada q-estatística (ou estatística de Tsallis), proposta pelo pesquisador do CBPF em 1988 e que generaliza a primeira – ou seja, a estatística de Boltzmann é um caso especial da estatística de Tsallis.
A segunda (e, talvez, a maior) surpresa: era de se esperar que a distribuição de probabilidades para os quatro tipos de redes estudados (1D, 2D, 3D e 4D) dependesse da dimensionalidade da rede (D) tanto quanto – e independentemente – do expoente (a). Mas não. A simulação computacional mostrou que essa distribuição, nos quatro casos, depende somente da razão a/D – mais especificamente, q é função de a/D.
Isso confere a esses sistemas (redes com métrica e dimensões variáveis) uma propriedade que os físicos denominam universalidade. E uma consequência disso é a seguinte: se o a for muito grande, passa a valer a estatística de Boltzmann-Gibbs, e o sistema é dito local – mais ou menos como se você só estives se disposto a fazer amizade com seus vizinhos. Já com a muito pequeno, o sistema é dito global – caso em que você estaria também disposto a ‘ir ao fim do mundo’ para fazer amizade com alguém.
“Esses resultados reforçam a ideia de que a estatística tem que se adaptar ao sistema em questão. Em outras palavras, temos que usar a estatística adequada para cada situação”, diz Tsallis.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ