O aquecimento global deve prejudicar consideravelmente a economia brasileira. Os impactos que terá sobre a agricultura foi tema do trabalho de doutorado do economista Gustavo Inácio de Moraes, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
A partir do atual cenário agrícola do país, ele baseou-se em cálculos matemáticos para prever como as mudanças na temperatura devem afetar as diferentes regiões e suas culturas.
“O estudo mostra que as desigualdades entre regiões vão se acentuar, e haverá migração de mão-de-obra para outros estados. Será um êxodo semelhante ao ocorrido no século 19 no Brasil”, avalia o pesquisador, referindo-se ao período de migração associado ao ciclo da borracha no país.
Para realizar o trabalho, Moraes levou em consideração dois cenários previstos para o futuro: um para 2020 e outro para 2070. Ambos foram traçados pela Embrapa com base em dados do Painel Intergovernamental para Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês).
Para o primeiro período, são previstas alterações climáticas mais brandas. Já para 2070, a expectativa é de mudanças drásticas, que deverão provocar maiores adaptações sociais e econômicas.
- Plantação de cana-de-açúcar: no estado do Rio de Janeiro, aquecimento inicial poderá até beneficiar a atividade, mas temperaturas altas demais previstas para 2070 devem levar a declínio do setor (foto: Wikimedia Commons/ Simeon – CC BY 3.0).
Impactos
O estudo analisou regiões com culturas de feijão, milho, soja, algodão, arroz, cana-de-açúcar, mandioca e café. Para 2020, os cálculos mostraram que pode haver uma queda de até 4% na atividade econômica do Nordeste. “Os cultivos agrícolas do Centro-Oeste, especificamente nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, também seriam bastante afetados, principalmente o da soja”, explica o economista.
Já o Sudeste poderia até sair ganhando: o cultivo de cana-de-açúcar seria favorecido pela elevação da temperatura, já que depende de um clima mais quente. A atividade econômica da região teria aumento de 0,83%.
As projeções para 2070 são mais alarmantes. No país, a queda no PIB seria de 1,1%. “Considerando-se os preços de 2005, essa diminuição seria equivalente a R$ 26 bilhões”, analisa Moraes.
Os prejuízos econômicos no Nordeste foram estimados em 6,13%. Isso provocaria uma onda de migração da mão-de-obra para estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. O Sudeste, agora, sairia perdendo, uma vez que as temperaturas já estariam altas demais para o cultivo da cana-de-açúcar.
Um estudo semelhante foi realizado em 2008 pela Embrapa [PDF]. Enquanto este fez uma projeção com regiões do país que apresentariam áreas aptas para o cultivo, o trabalho de Moraes se baseia nas áreas agrícolas atuais e nos alimentos cultivados em cada região. A partir desses dados, analisa o comportamento da economia como um todo. O economista foi orientado pelo agrônomo Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho Moraes, professor-titular da Esalq/USP.
Moraes acredita que outros setores da economia também serão afetados, como a saúde pública. Ele se refere a estudos que associam as alterações climáticas a um aumento de doenças tropicais. “O redirecionamento de recursos para atender a população vulnerável, predominantemente pobre, será uma necessidade dos futuros orçamentos públicos, agindo para mitigar os efeitos da mudança climática”, diz um trecho do estudo.
- As enchentes causadas pelas chuvas no Paquistão: os mesmos bilhões necessários para reconstruir o país poderão ser um gasto necessário no Brasil no futuro (Matloob Ali/ Oxfam – CC BY-NC-ND 2.0).
Prejuízos como no Paquistão?
As enchentes que assolaram o Paquistão nas últimas semanas mostram, segundo Moraes, como pode custar caro a reconstrução de um país – estimado em alguns bilhões de dólares pela ONU.
De acordo com os cálculos feitos pelo economista, o prejuízo do Brasil com o aquecimento global – considerando-se o cenário para 2070 utilizado na tese – demandaria gastos tão elevados quanto o do país asiático.
“A ONU estima que os prejuízos possam chegar a US$ 46 bilhões. Não posso relacionar o atual desastre a mudanças climáticas. Mas é possível que o aquecimento global torne esse tipo de ocorrência mais frequente”, considera.
O prejuízo pode não ser apenas nas contas do governo: “A conta pode aumentar não só para os gastos públicos, como também nos investimentos do setor privado, por meio de seguros e reparos”, explica.
O prognóstico parece sombrio, mas o economista acredita que os resultados apontados podem contribuir para um maior engajamento da sociedade em relação ao aquecimento global. “O comprometimento pode aumentar, estimulando pesquisas para diminuir a emissão de gases [poluentes] e a busca por fontes renováveis de energia”, conclui.
Debora Antunes
Ciência Hoje On-line