Quando é o Estado que pratica o terror

          

“Aplicaram-me choque elétrico na boca, nas gengivas e nos genitais. Arrancaram-me uma unha do pé com uma pinça. (…) Fui espancado com paus e perfurado com agulhas. Era normal passar vários dias sem alimento. Deixaram-me amarrado por vários dias com uma corda no pescoço.” Esse depoimento é de um adolescente que sobreviveu às sessões de tortura praticadas durante a ditadura argentina, que durou de 1976 a 1983.

null Nesse período, os militares argentinos torturaram e assassinaram os dissidentes e utilizaram o terror como meio de repressão. As atrocidades cometidas naquela época são contadas no livro Terrorismo de Estado , de Alejandra Leonor Pascual, professora de direito da Universidade de Brasília (UnB).

A autora, argentina naturalizada brasileira, analisa a ideologia que sustentou o regime militar e a atitude do Poder Judiciário na ditadura. O golpe de Estado de 1976 foi fortemente inspirado por uma doutrina originada nos Estados Unidos na época da Guerra Fria caracterizada pelo combate ao comunismo.

A obra é dividida em três capítulos. Na introdução, Pascual compara as definições de teóricos como o sociólogo francês Alain Touraine e o cientista político argentino Guillermo O’Donnell para qualificar a ditadura argentina. O primeiro capítulo descreve o contexto internacional que possibilitou o golpe e a formação da ideologia do regime militar.

Após essa exposição teórica, a autora explica o funcionamento do terror. Em depoimentos comoventes, os sobreviventes contam detalhes sobre a prática das torturas. Esse capítulo reproduz ainda o discurso das autoridades da época. Um dos trechos mais assustadores é o relato do suicídio de crianças que tiveram os pais raptados e muitas vezes torturados em sua presença. A tortura era física e psicológica.

O medo deixou a população paralisada. Aqueles que sobreviviam experimentavam um sentimento de culpa por não terem morrido ou de negação da realidade — fingiam que nada daquilo tinha acontecido. A propaganda do Estado coagia as pessoas a aceitar a suspensão da liberdade em nome de uma ‘guerra interna’ para a ‘salvação do grupo social’.

A autora destaca o papel das organizações de direitos humanos como ponto de partida para a reação da população contra o terrorismo. O movimento das mães e avós da praça de Maio constituiu um símbolo mundial contra a repressão autoritária. No último capítulo, Pascual analisa a posição do Poder Judiciário e relata o andamento dos casos de seqüestros.

A leitura de Terrorismo de Estado não exige conhecimento prévio do assunto. O livro trata de um tema extremamente pesado de forma clara e simples. No primeiro capítulo, os conceitos teóricos são discutidos em estilo acadêmico, em um texto repleto de citações de autores familiares sobretudo aos pesquisadores e estudantes da área. Já nos capítulos seguintes, a narrativa privilegia os relatos dos sobreviventes e torna-se mais acessível. Pascual apresenta de forma didática esse tema tão delicado e difícil da história de seu país natal.

 

Terrorismo de Estado –
a Argentina de 1976 a 1983

Alejandra Leonor Pascual
Brasília, 2004, Editora UnB
Fone: (61) 226-6874
150 páginas – R$ 18

Eliana Pegorim
Ciência Hoje On-line
16/08/04