Quasicristal extraterrestre

Escondida no interior de uma rocha encontrada nas Montanhas Koryak, na Rússia, e guardada por anos no Museu de História Natural da Universidade de Florença, na Itália, uma equipe de pesquisadores encontrou a primeira mostra de quasicristal natural em 2009. Agora, depois de análises mais aprofundadas, os cientistas sugerem que o mineral teve origem fora do nosso planeta, onde veio parar há 4,5 bilhões de anos em um meteorito.

Quasicristais são materiais que, diferentemente dos cristais comuns, têm sua estrutura atômica arranjada de modo simétrico, mas não periódico, ou seja, eles não podem ser identificados apenas por uma unidade básica que se repete. Ao olhar para um cristal ao microscópio, os cientistas veem padrões idênticos. No quasicristal existem padrões simétricos, mas eles não se repetem. 

Esses minerais foram descritos há 30 anos sob sua forma sintética, criada em laboratório, e renderam ao seu descobridor, o físico israelense Daniel Schechtman, o prêmio Nobel de Química do ano passado. Hoje, são usados pela indústria para criar ligas de aço ultrarresistentes e também como isolantes térmicos em motores e frigideiras, em substituição ao teflon. 

O quasicristal encontrado na Rússia tem composição muito semelhante ao observado por Schechtman. Contém alumínio, ferro e cobre, mas está encapsulado por um mineral chamado stishovita, uma forma mais dura de dióxido de silício que até hoje só foi observada na natureza em meteoritos. 

A análise  da rocha revelou que seus elementos eram condizentes com os encontrados em meteoritos

A stishovita necessita de condições extremas de pressão para se formar naturalmente e a sua presença na rocha levou os pesquisadores a pensarem na hipótese de o quasicristal não ter se formado na Terra, mas no espaço, onde ambientes assim são mais prováveis. 

Por meio de uma espectrometria de massa do quasicristal, os pesquisadores confirmaram a teoria. A análise revelou que os elementos da rocha eram condizentes com os encontrados normalmente em meteoritos. 

“Nosso estudo abre uma nova janela para o entendimento da formação dos quasicristais e mostra que pelo menos essa configuração do mineral se forma em meteoritos”, afirma o principal autor da pesquisa publicada na PNAS, o físico Paul Steinhardt, da Universidade de Princeton, Estados Unidos, criador do termo quasicristais na década de 1980. 

Mineral ancestral

Como o quasicristal se formou ainda é um mistério, mas a equipe de Steinhardt, que há 12 anos procura por amostras de quasicristais naturais, já está trabalhando para criar uma teoria que explique a formação e a evolução do meteorito que o trouxe para a Terra. Segundo Steinhardt, a pesquisa pode lançar luz sobre o processo de formação do nosso sistema solar.

Os quasicristais podem ter sido um dos 200 primeiros minerais formados em nosso sistema solar

“Acreditamos que os quasicristais são parte de alguma matéria sólida formada no início do nosso sistema solar”, diz. “A maioria dos minerais encontrados na Terra se formou milhões de anos depois do planeta. Mas os quasicristais podem ter sido um dos 200 primeiros minerais formados em nosso sistema solar.”

Segundo Steinhardt, todo o estudo foi marcado por surpresas. A principal delas – para a cristolografia, mas não para o cientista – é a estabilidade do quasicristal natural. Desde que o mineral foi descoberto, a maioria dos físicos o descreveu como uma matéria delicada, difícil de se manter em condições naturais e controlável apenas em laboratório. 

Montanhas Koryak
A equipe de pesquisadores já organiza expedições de retorno às Montanhas Koryak para procurar por novas amostras de quasicristais naturais. (foto: Vladimir Yu/ Wikimedia Commons)

Mas a descoberta desse exemplar extraterrestre vai contra essa ideia. “Quasicristais são tão estáveis quanto os cristais; mostramos que eles crescem e se estabilizam perfeitamente sob as mais complexas condições astrofísicas”, reafirma o pesquisador, que já em 1980 defendia essa hipótese com o físico Dov Levine.

Steinhardt e sua equipe pretendem continuar a busca por outros quasicristais naturais e para isso já organizam expedições geológicas na remota região russa onde a rocha foi encontrada. “As próximas descobertas sairão dessas expedições”, diz o físico esperançoso. “Aguardem!”


Sofia Moutinho

Ciência Hoje On-line