Usina termelétrica de Ratcliffe, em Nottinghamshire (Inglaterra). Os países desenvolvidos são os maiores responsáveis pelos gases de efeito-estufa emitidos na atmosfera até aqui (foto: Alan Zomerfeld).
O encontro gerou mais dúvidas do que conclusões: Como definir quais países são mais responsáveis pelos efeitos do aquecimento global? É justo que cada um defina por conta própria seu grau de responsabilidade? Que parâmetros serão adotados para garantir representações justas nas tomadas de decisões globais? O objetivo do seminário, que reuniu organizações e indivíduos ligados à discussão sobre aquecimento global, foi elaborar um documento com propostas para solucionar os dilemas éticos ligados à questão climática, a serem levadas a 12ª Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU (COP-12), a ser realizada em novembro em Nairóbi (Quênia).
O tom do seminário foi ditado por um documento entregue aos participantes, com análises preliminares sobre o tema debatido. Afirmações como “a maioria dos que serão prejudicados com o aquecimento global foram os que menos contribuíram para a sua existência”, ou “os que emitem a maior quantidade de gases-estufa na atmosfera são os menos ameaçados com as adversidades das mudanças climáticas” indicam que países como Estados Unidos, de onde vieram os próprios organizadores do programa, são vistos como vilões históricos nesse assunto.
Questão de justiça
“Não haverá solução global para o problema do aquecimento se ele não for visto como uma questão de justiça”, afirma o coordenador do grupo, o americano Donald Brown, diretor do Consórcio Interdisciplinar para Políticas Ambientais da Pensilvânia (EUA) e especialista há vinte anos em questões climáticas. “Os Estados Unidos usaram análises de custo-benefício para avaliar [a implantação do Protocolo de] Quioto. Isso trouxe um problema ético: os benefícios são para quem?”, questiona Brown. “Por enquanto, o discurso é só econômico e as análises éticas são superficiais”.
O cingalês Mohan Munasinghe, professor da Universidade Yale (EUA) e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), defende que haja um processo de igualdade. Mas em termos. Quem deve ser beneficiado são os pobres, já que serão as principais vítimas da mudança do clima, por terem menos recursos para arcar por medidas capazes de protegê-los. “Um conselho que daria ao Sri Lanka para fugir dos impactos é crescer rápido. Desenvolvimento econômico é a chave para a adaptação”, ressalta Munasinghe.
Usina hidrelétrica de Itaipu, na fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai. Embora sejam uma fonte de energia renovável, as hidrelétricas são responsáveis pela emissão de metano (CH4), um dos gases do efeito-estufa (foto: reprodução).
Jean-Pierre Leroy, técnico da organização não-governamental FASE, defende que o assunto ultrapasse as quatro paredes do discurso teórico. “Não é preciso criar uma ‘climato-ética’ que só especialistas entendam. As pessoas sofrem de um processo do qual não participam. O problema está em cada pessoa que usa computador, dirige carro, voa de avião”, afirma Leroy. “Sofremos os impactos do consumo exagerado, por exemplo, quando acontecem furacões e os prejuízos aumentam porque as pessoas constroem casas cada vez maiores”, complementa.
Já José Domingos Gonzalez Miguez, coordenador do núcleo de mudanças climáticas do Ministério da Ciência e Tecnologia, acredita que causar danos ao meio ambiente deve doer no bolso. “Acredito que deve haver uma penalidade de dólar por grau celsius. A convenção de clima se baseia em dados cedidos pelos próprios países, as propostas são feitas de acordo com os interesses próprios”, critica Miguez. Ele lembra ainda que simplesmente interromper as emissões de gases-estufa não será medida suficiente para conter o problema. “Os efeitos do aquecimento global serão sentidos pelo menos nos próximos 120 anos”.
Juliana Tinoco
Ciência Hoje On-line
06/09/2006