Quer pagar quanto?

Como prever se um produto será um sucesso de vendas ou se vai encalhar nos estoques? Esta talvez seja a pergunta de um milhão – ou bilhões – de dólares para qualquer empresa. Um algoritmo, desenvolvido por um mestrando do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), pode ajudar a tornar menos nebulosa essa trajetória comercial. O modelo, que contribuiu para um aumento de 30% nas vendas da marca de roupas femininas Lode, é baseado numa lógica matemática chamada fuzzy, ou difusa, capaz de operar com dados incertos e imprecisos.

O algoritmo considerou cinco atributos definidos pela marca como fundamentais para o potencial de venda dos produtos: desejabilidade, preço, cor, versatilidade e modelagem

No caso da Lode, o algoritmo considerou cinco atributos definidos por especialistas da própria marca como fundamentais para o potencial de venda dos produtos: desejabilidade (o grau de atração da peça), preço, cor, versatilidade e modelagem. As roupas foram avaliadas por funcionários da empresa, como estilistas e gerentes, em escalas que variavam, por exemplo, de indesejada a muito desejável e de barata a muito cara. “Assim, foram identificadas peças de menor atratividade e propostos ajustes na política de preço para torná-las mais atrativas”, conta o engenheiro Fábio Krykhtine, responsável pelo estudo.

A análise foi complementada por outra pesquisa, feita durante o Fashion Business, feira de atacadistas de todo o país no Rio de Janeiro, com clientes, produtores de moda e estilistas não ligados à marca. “As avaliações das peças no evento permitiram identificar os mercados em que tinham maior aceitação, o que pode orientar políticas de distribuição e de preço”, avalia. “Também foi possível comparar as percepções interna e externa sobre as peças, o que pode ajudar o trabalho da marca.”

O aumento de cerca de 30% nas vendas em relação ao ano anterior na feira foi muito positivo, segundo Krykhtine. “Marcas do setor costumam registrar crescimentos anuais de até 15%, com boas coleções e políticas de relacionamento”, compara. 

Uma lógica para as incertezas

Para traduzir de forma precisa a pouca exatidão das escolhas humanas, o engenheiro utilizou um tipo especial de lógica, chamada lógica fuzzy, ou difusa. Ao trabalhar com dados linguísticos vagos ou incertos e com gradações como muito, pouco e bastante, a lógica fuzzy consegue abarcar com mais precisão as diferentes percepções dos diferentes públicos. “Algo muito desejável para mim é diferente de algo muito desejável para você”, afirma. “Os modelos matemáticos se distanciam da realidade quando trabalham variáveis como se fossem absolutas, já que a mente humana não funciona como a matemática clássica descreve.”

Shopping
Prever com exatidão a recepção de um produto pelo mercado é o sonho de qualquer empresa. O primeiro teste do algoritmo desenvolvido na Coppe foi um sucesso no mundo da moda e a metodologia já está sendo aplicada em outros setores. (foto: Flickr/ The Hamster Factor – CC BY-NC-ND 2.0)

Krykhtine explica que, na lógica fuzzy, as diferentes opiniões não se transformam em médias ou em simples pontos numa curva. “Elas se traduzem na criação de graduações, de intervalos fuzzy capazes de representar mais precisamente a desejabilidade de uma peça para diferentes públicos”, destaca. “Com isso, criamos bancos de dados dos quais podemos extrair uma série de relações que atribuem pesos diferentes para as opiniões de cada tipo de público, permitem um prognóstico do grau de atratividade de cada peça e até a possibilidade de diferenciar mercados específicos.”   

Krykhtine: “Poderíamos utilizar critérios diferentes para avaliar outros tipos de itens, como os de luxo, onde a exclusividade é mais importante que o preço”

O engenheiro destaca que o algoritmo poderia ser utilizado em setores muito variados, para avaliar outras questões e até mesmo para orientar ações nos pontos de venda. “Poderíamos utilizar critérios diferentes para avaliar outros tipos de itens, como os de luxo, onde a exclusividade é mais importante que o preço”, explica. “Também poderíamos fazer um levantamento com público no varejo, antes do lançamento da coleção, para orientar a distribuição e estabelecer bases para uma política de preço e de relacionamento, além da criação de um mapa de consumo da marca.”

O engenheiro afirma que diversas empresas já se mostraram interessadas na metodologia – os nomes ainda são sigilosos, mas marcas de setores como o de calçados e até o bancário já teriam mostrado interesse. “É importante levar os estudos para o mercado, mas a parceria com a universidade é fundamental, para formar equipes criativas e capacitadas”, avalia o engenheiro. “A ideia é criar parcerias que sejam benéficas para todos.” As possíveis aplicações da metodologia serão desenvolvidas pela Klam, empresa de base tecnológica de Krykhtine, por meio da Fundação Coppetec

Moda, biocombustível e energia nuclear

O grande interesse despertado pela metodologia no setor da moda é mais um caso de sucesso do uso da lógica fuzzy, mas está longe de ser o único. Ela tem sido aplicada no desenvolvimento da inteligência artificial, de processos industriais e incorporada até no aprimoramento de aparelhos eletrônicos, como câmeras de vídeo e fornos de micro-ondas. 

A própria Coppe desenvolve, há décadas, projetos de grande interesse econômico, social e ambiental baseados nesse tipo de lógica. Um deles, uma parceria com a Petrobras e o governo federal, buscou orientar a produção de biodiesel no semiárido brasileiro, com a identificação de áreas para o cultivo de vegetais oleaginosos (a mamona, por exemplo) e para localização das plantas industriais.

Colheita soja
Em parceria com a Petrobras, o grupo da UFRJ também utilizou algoritmos baseados na lógica ‘fuzzy’ para avaliar as melhores localidades destinadas à instalação da infraestrutura de produção de biodiesel. (foto: Jefferson Bernardes/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

O projeto analisou quase duas mil localidades segundo 30 fatores, como oferta de energia e de transporte. “O algoritmo baseou-se na avaliação de especialistas sobre indicadores de importância variável, um conjunto impossível de hierarquizar pela lógica tradicional”, explica o engenheiro Carlos Alberto Cosenza, da Coppe. Um projeto similar foi realizado com a soja e o milho, no Sul e no Sudeste do país, em 2007.

Cosenza: “O algoritmo baseou-se na avaliação de especialistas sobre indicadores de importância variável, um conjunto impossível de hierarquizar pela lógica tradicional”

Outro estudo semelhante procurou orientar o planejamento das atividades econômicas no entorno do porto de Itaguaí, para transformá-lo num polo articulador da economia da região. O grupo também desenvolveu trabalho voltado para a instalação de plantas eletronucleares no país. “Nesse caso, segurança, viabilidade tecnológica e meio ambiente seriam as prioridades”, afirma Cosenza. “Mas o projeto foi suspenso para que possa haver um debate mais amplo sobre a matriz energética a ser adotada no Brasil.”

Cosenza destaca ainda entre os projetos do grupo que utilizam a lógica fuzzy um protótipo de robô programado para combater incêndios com base na experiência de bombeiros do Rio de Janeiro, além de iniciativas de avaliação de instalações de edifícios e projetos de controle de tráfego aéreo. “No Brasil e no mundo, as utilizações da lógica fuzzy têm crescido bastante”, avalia. “Nossas melhores universidades têm núcleos que trabalham na área e, na UFRJ, temos conseguido aplicá-la em diversos projetos práticos.”


Marcelo Garcia

Ciência Hoje On-line