Radiografia das florestas

O total de árvores existentes no planeta é bem maior do que os cientistas estimavam. Segundo pesquisa publicada nesta quarta-feira (2/9) na revista Nature, aproximadamente 3,04 trilhões de árvores povoam a superfície terrestre. Se não houvesse interferência humana, no entanto, esse número seria ainda mais expressivo: em outra estimativa igualmente impressionante, o trabalho revela que quase metade das árvores desapareceu da Terra desde o início da nossa civilização.

Os resultados são fruto de um levantamento que durou três anos e envolveu mais de 50 pesquisadores de diversos países, incluindo dois brasileiros. Os cientistas utilizaram dados de quase 430 mil medições de campo sobre a densidade das árvores realizadas nos últimos 12 anos para criar o primeiro mapa espacialmente contínuo de densidade das florestas em uma escala global.

“As estimativas anteriores utilizavam apenas as informações de satélites, então era difícil ter uma ideia de quantas árvores existiam em uma área específica”, afirma o ecólogo britânico Thomas Crowther, líder do projeto e pesquisador da Faculdade de Ciências Florestais e Estudos Ambientais da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. “Nosso mapa fornece informações mais detalhadas e aponta para um entendimento mais apurado sobre a distribuição das árvores dentro das florestas, o que fornece novas informações sobre a estrutura dos ecossistemas”, completa.

Antes da pesquisa, estimava-se que haveria 400,25 bilhões de árvores na Terra, uma média de 61 espécimes por pessoa. Com o novo ‘censo’ florestal, a estimativa sobe para 422 árvores para cada ser humano vivo no planeta

Antes da pesquisa, estimava-se que haveria 400,25 bilhões de árvores na Terra, uma média de 61 espécimes por pessoa. Com o novo ‘censo’ florestal, a estimativa sobe para 422 árvores para cada ser humano vivo no planeta. No Brasil, este número é ainda maior. Segundo o levantamento, nosso país tem 302 bilhões de árvores, o que equivale a 1.494 árvores por habitante.

“Só na Amazônia existem 390 bilhões de árvores. O estudo contribui para previsões melhores sobre o estoque de carbono nas florestas e alterações causadas por mudanças climáticas. Será possível saber com mais exatidão informações como o comportamento das florestas se a temperatura aumentar em dois graus até o fim do século”, comemora o engenheiro florestal Alexander Vibrans, da Universidade Regional de Blumenau, um dos autores do estudo.

 

Florestas mais secas

Coordenador do Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina, o brasileiro conta que a cooperação internacional incluiu um complexo trabalho de triagem e compilação de bancos de dados. “Após uma avaliação dos quase 430 mil pontos amostrais, todos relativos a árvores com pelo menos dez centímetros de diâmetro, a equipe realizou interpolações que permitiram calcular a quantidade de árvores existentes onde não há levantamentos de campo desse tipo”, descreve Vibrans.

De acordo com o líder do projeto, a comparação de fatores como temperatura, umidade, características do solo e níveis de atividade humana possibilitou a construção de modelos geoestatísticos referentes a 14 biomas. “Se sabemos que o número de árvores aumenta em locais mais úmidos, podemos começar a prever quantas árvores existem com base na umidade de determinadas áreas, por exemplo”, diz Crowther.

Entre os resultados do levantamento, a relação entre a densidade das árvores e a umidade do ambiente surpreendeu os cientistas. Em primeiro lugar, a quantidade de árvores em regiões mais secas e frias foi bem maior do que se pensava. “Isso se deve ao ‘empacotamento’, nas regiões mais frias, de muitas árvores de poucas espécies e de pequeno porte, resultando numa alta densidade de árvores por hectare”, explica o outro brasileiro envolvido na pesquisa, Daniel Piotto, da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Além disso, ao contrário do que seria esperado, em biomas como savanas inundadas e florestas tropicais secas, as maiores densidades foram registradas em áreas menos úmidas. Para os autores, o resultado reflete a influência das atividades humanas, que elegem solos mais úmidos (e produtivos) para outros usos. “A qualidade do solo e a umidade disponível são recursos valiosos. Em alguns lugares, as melhores áreas para as árvores também são as melhores áreas para a agricultura. Por isso, as fazendas acabam substituindo algumas das florestas mais produtivas”, acredita Crowther.

Mapa da densidade global de florestas
Mapa da densidade florestal global produzido a partir de modelos baseados em 14 biomas diferentes. As áreas verdes indicam regiões onde há maior densidade de árvores. (imagem: Crowther et al / Nature)

O impacto da apropriação das terras de florestas para outras finalidades, no entanto, tem efeitos diferentes sobre a densidade florestal de cada tipo de bioma – sendo mais significativo em regiões tropicais, como o Brasil. “Nessas regiões existe alta diversidade de espécies e muita variação no tamanho das árvores”, diz Piotto, que participou da concepção do projeto e da busca de informações em áreas tropicais da América Latina. “Com o corte de poucas árvores, várias espécies são impactadas, enquanto em regiões temperadas, alpinas e boreais, a remoção de poucas árvores afeta algumas poucas espécies”, explica o engenheiro florestal.

 

A metade que nos resta

Além de fornecer um diagnóstico mais preciso sobre a situação atual das florestas, a pesquisa alerta sobre os danos causados pela humanidade aos ecossistemas em todos os biomas do planeta. Com base nas projeções sobre a densidade das árvores, os pesquisadores estimam que o número total de espécimes diminuiu em aproximadamente 46% após o início da civilização. Segundo o levantamento, mais de 15 bilhões de árvores são cortadas a cada ano. “Estes números são assustadores e podem explicar parte dos grandes impactos causados pelos humanos no clima terrestre. A remoção de trilhões de árvores também está relacionada ao fim de milhares de espécies de plantas e animais que contavam com essas florestas para sobreviver”, lamenta Crowther. “O estudo aponta a necessidade de aumentar drasticamente nossos esforços para reestabelecer o estado dos ecossistemas naturais em todo o mundo”.

Os próximos passos do projeto incluem a avaliação de variáveis como a influência do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na existência e manutenção das florestas. “Já sabemos que nos países desenvolvidos a cobertura florestal está aumentando, enquanto regiões menos desenvolvidas sofrem com pressões econômicas, principalmente de culturas de exportação como milho, soja e cana-de-açúcar”, lembra Vibrans. “Esse tipo de estudo é essencial para subsidiar decisões futuras sobre o uso do solo que precisam ser tomadas pelos estados, mas muitas vezes falta disciplina política para agir de acordo com o que é razoável”, critica o pesquisador brasileiro.

Atualização (3/9/15)
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte informação, no quarto parágrafo: “No Brasil, este número é ainda maior. Segundo o levantamento, nosso país tem 302 bilhões de árvores, o que equivale a 1.494 árvores por habitante”.

Simone Evangelista
Especial para a CH On-line