Recém-descoberta, já ameaçada

Uma ave que sequer era conhecida já luta contra sua própria extinção. É a patativa-tropeira (Sporophila beltoni), uma espécie recém-descoberta, que vive exclusivamente no Brasil. Ela corre sério risco de desaparecer antes mesmo de ser estudada pela ciência.

Foram ornitólogos brasileiros da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) os responsáveis pelo achado. Entre 2003 e 2006, eles estudavam comunidades de aves campestres do sul do Brasil e se depararam com o que pensaram ser a patativa-verdadeira (Sporophila plumbea) em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Mas, ao perceber algumas características peculiares dessa ave, os pesquisadores concluíram que se tratava, na verdade, de outra espécie. Era a patativa-tropeira. A descoberta está publicada no periódico norte-americano The Auk, da União Americana de Ornitologistas.

As diferenças de plumagem podem passar despercebidas ao observador não especializado. Mas o bico da patativa-tropeira é facilmente distinguível e o canto também é outro

“Encontramos uma população, que acreditávamos ser de patativa-verdadeira, em um ambiente diferente do mencionado na literatura. Como a espécie não era registrada há muito tempo, resolvemos estudá-la mais detalhadamente”, contextualiza a coordenadora da pesquisa, a bióloga Carla Fontana, da PUCRS. “Mas percebemos que poderia se tratar de uma espécie diferente quando começamos a notar que, além de viverem em outro hábitat, os indivíduos apresentavam comportamentos peculiares.”

As diferenças de plumagem podem passar despercebidas ao observador não especializado. Mas o bico da patativa-tropeira é facilmente distinguível, por ser amarelo-ouro. Além disso, o canto também é outro.

A patativa-tropeira ocorre em regiões de campo que vão desde o nordeste do Rio Grande do Sul até Minas Gerais. É no Sul que ela se reproduz. E, no inverno, ela voa para o cerrado mineiro para fugir do frio. É durante a migração que ela está mais exposta aos caçadores ilegais de animais silvestres. Outro problema que a espécie enfrenta é a degradação do seu local de reprodução: os campos de altitude, onde ficam também as florestas de araucária (Araucaria angustifolia), no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul; além da degradação do cerrado, onde ela passa o inverno.

Campos sulinos
Paisagem típica dos campos sulinos, onde a patativa-tropeira se reproduz antes de migrar para terras mais quentes no cerrado mineiro. (foto: Divulgação/ Fundação Grupo Boticário)

Estima-se que hoje existam cerca de 4.500 casais dessa espécie recém-descoberta, um número preocupante, segundo os pesquisadores.

De acordo com Fontana, essa ave viveu no ostracismo por muito tempo. “As espécies campestres não recebem a atenção que merecem, se comparadas às espécies de mata”, diz. “Não à toa, a literatura científica que mencionava a patativa-verdadeira estava incompleta e mesmo com informações erradas.”

Estima-se que hoje existam cerca de 4.500 casais dessa espécie recém-descoberta, um número preocupante

“A degradação do campo e de suas espécies é intensa, pois não há um reconhecimento da importância da diversidade e da função dos ecossistemas campestres no país por parte da população”, lamenta Fontana. “Os campos têm sido considerados somente com vistas à produção agropecuária, e mesmo para a silvicultura; mas quase nunca são entendidos como reservatórios da vida silvestre característica do sul de nosso continente; as monoculturas de Pinus e eucalipto destroem tais ambientes, transformando-os estruturalmente”, avalia a pesquisadora da PUCRS.

O trabalho dos pesquisadores, financiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, continua. E a patativa-tropeira já consta no Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Passeriformes Ameaçados dos Campos Sulinos – projeto do Governo Federal que deve ajudar a preservar a espécie.

Gabriel Toscano
Ciência Hoje On-line