Rede social-sexual

Desde a última década, o uso da internet para a troca de informações sobre prostituição é crescente. A partir desta constatação, pesquisadores da Suécia descobriram que a comunicação via web é responsável pela formação de uma rede de contatos sexuais constituída por garotas de programas e clientes. O fluxo de dados nessa rede organiza o comércio de sexo fora do ambiente virtual e pode ter implicações na propagação de doenças transmitidas sexualmente.

No estudo divulgado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) [PDF], os pesquisadores analisaram um fórum brasileiro na internet no qual homens heterossexuais relatam e atribuem notas a encontros com acompanhantes de luxo. Por meio desses relatos, a equipe conseguiu identificar uma rede de contatos formada por 10.106 ‘compradores’ e 6.624 ‘vendedoras’ de sexo.

Usuários descrevem atitude e comportamento da parceira no encontro, de carisma a habilidades sexuais

Anonimamente, os membros do fórum classificam o serviço oferecido pelas acompanhantes, identificadas apenas por apelidos, conforme o preço e a ‘qualidade’, atribuindo conceitos como ‘bom’, ‘neutro’ ou ‘ruim’. Geralmente, os comentários contam como a profissional foi contatada e qual foi o tipo de relação sexual praticada, além de descreverem a atitude e o comportamento da parceira durante o encontro – o que inclui desde carisma a habilidades sexuais.

Outros itens avaliados são o nível de envolvimento e os atributos físicos das mulheres, bem como a casualidade do encontro. Cada tópico aberto no fórum corresponde a uma acompanhante, e as avaliações futuras são todas agrupadas sob aquele item.

Os usuários são classificados de acordo com a frequência com que postam comentários na comunidade. Quanto mais frequente for a participação, maior o prestígio do participante.

Combinação entre real e virtual

Os dados obtidos na análise dos comentários mostraram que o fluxo de informações sobre os encontros ocorridos no passado produz efeitos no futuro. “Cada encontro gera uma mensagem e uma nota, o que altera a estrutura da rede, atraindo mais ou menos clientes para as garotas de programa”, explica Luis Enrique Correa da Rocha, físico paranaense e um dos autores do estudo. Há dois anos e meio, Luis é pesquisador do Departamento de Física da Universidade de Umeå, na Suécia.

Quando os clientes atribuem notas altas às acompanhantes, é desencadeado um fenômeno de postagens subsequentes em curto espaço de tempo. Ou seja, a mensagem deixada na comunidade contribui para que as garotas elogiadas atraiam mais parceiros. Por outro lado, notas baixas são um mau negócio, reduzindo a procura por seus serviços.

As notas afetam tanto a atividade sexual dos usuários quanto a rotina de trabalho das prostitutas

Os pesquisadores analisaram dados postados no fórum desde 2002, quando ele foi inaugurado, até 2008. “O fluxo de informações no fórum gera um ciclo no qual o comportamento off-line (fora do ambiente virtual) é refletido no on-line (na internet), que, por sua vez, volta a influenciar o off-line”, descreve Rocha.

Assim, a dinâmica de mensagens na comunidade, especialmente as notas, afeta tanto a atividade sexual dos usuários do fórum quanto a rotina de trabalho das prostitutas.

Por meio de um mapeamento da rede feito com gráficos matemáticos, os pesquisadores observaram que a maioria das ‘vendedoras’ e dos ‘compradores’ de sexo têm poucos parceiros.

Além disso, o estudo mostrou que os encontros mais frequentes ocorrem entre moradores de cidades próximas – e que não há uma relação direta entre o crescimento das cidades e o aumento do número de acompanhantes. Em outras palavras, cidades mais populosas têm, proporcionalmente, menos garotas de programa.

Mais confiança, mais risco

Rocha e seus colegas concluíram ainda que a dinâmica do fórum pode ter implicações no processo de disseminação de doenças, uma vez que os dados analisados sugerem a adoção de alguns comportamentos de risco. Nos comentários, os usuários descrevem a atividade sexual segundo três categorias: beijo na boca, sexo anal e uso de preservativo durante sexo oral.

Com o passar do tempo, acompanhantes e clientes tendem a adotar comportamento menos seguro

Os pesquisadores identificaram que, com o passar do tempo de permanência na rede, acompanhantes e clientes tendem a adotar um comportamento menos seguro em relação a essas práticas. Entre as garotas de programa, por exemplo, a prática de sexo oral sem preservativo aumentou de 60-75% para 95% até o fim do período de análise.

O pesquisador brasileiro acredita que a mudança de comportamento esteja ligada ao ganho de confiança e intimidade entre os parceiros. Para ele, o estudo pode contribuir para a elaboração de políticas de controle da propagação de infecções no Brasil. “Apesar do número de encontros entre moradores de cidades diferentes ser relativamente baixo, a conscientização da população viajante sobre a importância do sexo seguro pode ajudar no combate às doenças sexualmente transmissíveis”, ressalta.

Rocha e sua equipe já deram início a uma nova pesquisa que pretende simular a disseminação de infecções por meio de redes de contatos sexuais formadas na internet.

Camilla Muniz
Ciência Hoje On-line