Réquiem para Mir

Um importante capítulo da história da exploração espacial está prestes a ser concluído: na madrugada de 23 de março, a estação espacial russa Mir deve entrar em rota de colisão com a atmosfera terrestre e mergulhar em algum ponto remoto do Pacífico Sul. Durante o procedimento, a maior parte das cerca de 135 toneladas da estação deve se incendiar e se desintegrar antes de atingir a superfície da Terra. Excluindo-se a Lua, a Mir é o objeto mais pesado em órbita do planeta, e será o maior já trazido de volta do espaço.

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Lançada ao espaço e inaugurada em 1986, a Mir é um complexo de módulos progressivamente acoplados ao longo de dez anos. Eles abrigaram laboratórios científicos e instalações para os cosmonautas. Nos quinze anos de permanência no espaço, a estação recebeu mais de cem tripulantes e viu a realização de mais de 16.500 experimentos científicos. Entre eles, destacam-se feitos pioneiros, como a considerada primeira navegação espacial por propulsão solar, e alguns recordes, como o de permanência humana no espaço – o cosmonauta russo Valeri Polyakov passou 438 dias na estação.

Controlada a partir de uma base na Terra, a Mir vem perdendo altitude desde o dia 15 para reingressar na atmosfera terrestre. A estação poderá entrar em rota de colisão quando estiver a 216 quilômetros de altitude – o que os cientistas da agência espacial russa programaram para as primeiras horas do dia 23 de março. A Mir já está acoplada à nave de carga Progress, que deve guiar a queda por meio de três explosões de seus propulsores. O trajeto da estação até o oceano deve durar cerca de 45 minutos.

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Estima-se que, das 135 toneladas da estação, 20 não se desintegrarão em contato com a atmosfera e atingirão a superfície da Terra. Esses resíduos devem se dividir em cerca de 1500 pedaços que se chocarão com o Pacífico a uma velocidade próxima de 250 quilômetros por hora. O local definido para a queda é uma região quase desabitada e distante das principais rotas de aviação e embarcação situada a 2000 km da costa da Nova Zelândia. Especialistas russos e norte-americanos acreditam que o risco de queda descontrolada ou de choque com pessoas ou propriedades é quase inexistente.

Segundo Nicholas Johnson, especialista em lixo espacial da agência espacial norte-americana (Nasa), a descida da Mir será mais segura que os choques com asteróides de peso similar ao da estação (corpos celestes como esses caem na Terra cerca de dez vezes por ano). Os russos já trouxeram anteriormente objetos do espaço: desde 1978, cinco estações espaciais e 80 naves (duas delas em 2001) já foram derrubados no Pacífico Sul. A estação Salyut 6, de 40 toneladas, foi trazida em julho de 1982 com a mesma técnica adotada para derrubar a Mir.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje/ RJ
20/03/01