Resistência mapeada

 

Bactérias Staphylococcus aureus resistentes a vários antibióticos no sangue. As bactérias levam os glóbulos vermelhos à decomposição, formando o halo que se vê na imagem (foto: Krzysztof Sieradzki)

As mutações responsáveis por tornar a bactéria Staphylococcus aureus resistente aos mais poderosos antibióticos conhecidos foram rastreadas por cientistas norte-americanos. Ao seqüenciar o genoma de amostras isoladas com poucos dias de diferença do sangue de um paciente que sofria de uma infecção bacteriana, o grupo pôde acompanhar passo a passo o surgimento da resistência in vivo .

O paciente sofria de doença cardíaca congênita, com uma endocardite causada por Staphylococcus aureus resistentes à meticilina. Essas bactérias se tornaram comuns em todo o mundo desde os anos 1960 e estão entre as mais freqüentes causas de infecção hospitalar. O indivíduo foi tratado com a vancomicina – conhecida como “a droga do último recurso”, por ser um dos poucos compostos eficazes contra as bactérias resistentes – e outros antibióticos.

No entanto, as bactérias desenvolveram resistência parcial à vancomicina e o paciente faleceu após três meses. Ao menos as nove amostras de sangue retiradas entre o início e o final do tratamento permitiram que ele desse uma importante contribuição póstuma à ciência, registrada esta semana na edição eletrônica da revista PNAS .

Ao comparar o genoma das bactérias isoladas em cada amostra, a equipe de Alexander Tomasz, da Universidade Rockefeller, em Nova York, identificou 35 mutações surgidas durante o tratamento. “Acreditamos que o número de genes envolvidos no mecanismo de resistência possa ser ainda menor, da ordem de 10 ou 12”, disse Tomasz à CH On-line . “Muitas das mutações apareceram apenas na última amostra coletada, quando a resistência já estava plenamente estabelecida.”

O grupo identificou ainda como algumas das mutações identificadas afetam as proteínas sintetizadas pela bactéria. Algumas regulam a expressão de genes envolvidos em processos como a síntese da parede celular, alvo dos antibióticos. No total, a expressão de 224 genes foi afetada de forma significativa entre as amostras de bactérias recolhidas antes e após o tratamento.

Resistência múltipla

A foto mostra uma cepa de bactérias antes (esq.) e após (dir.) desenvolver resistência contra a vancomicina. As mutações responsáveis pelo mecanismo provocam mudanças significativas na morfologia da bactéria (foto: K. Sieradzki)

De quebra, a equipe constatou também que as bactérias imunes à vancomicina se mostraram, em testes feitos in vitro , cem vezes mais resistentes à ação da daptomicina, um outro antibiótico capaz de combater as superbactérias – que não havia sido usado no paciente. “É possível que tenhamos identificado os mecanismos genéticos por trás da resistência cruzada a ambos os antibióticos”, afirma Michael Mwangi, primeiro autor do estudo.

O grupo comparou o conjunto de mutações identificadas com a seqüência genética de cepas resistentes de Staphylococcus aureus isoladas em diferentes localidades, como Japão, Portugal e diversos pontos dos Estados Unidos. Ao menos um grande conjunto de genes estava envolvido em todos os casos.

Uma das possibilidades abertas pelo estudo é a de se tentar induzir, em cepas de S. aureus suscetíveis à vancomicina, as mutações identificadas, para se confirmar seu papel específico no surgimento da resistência. “Seria possível ainda criar drogas que impedissem o caminho genético que identificamos, de forma que as bactérias se tornassem novamente suscetíveis à vancomicina”, acredita Mwangi.

A longo termo, o estudo aponta para uma nova etapa no tratamento de infecções bacterianas. “Levamos um ano e meio para seqüenciar as bactérias”, conta Mwangi. “Mas a tecnologia de seqüenciamento está avançando rapidamente. Quem sabe um dia os médicos consigam monitorar na escala do DNA como uma infecção está evoluindo em tempo real e possam adequar o tratamento em função disso.”

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
22/05/2007