Restos nobres

A cabeça do camarão desponta como nova arma na luta contra dejetos líquidos produzidos por indústrias ou oriundos do esgoto doméstico. Essa sobra, normalmente desprezada, é rica em enzimas que degradam compostos orgânicos daqueles efluentes em alta velocidade e com quase 100% de eficiência, segundo um estudo em vias de conclusão feito pelo Grupo de Pesquisa em Catálise Enzimática e Síntese Orgânica, da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).

De cada quilo de camarão consumido, cerca de meio quilo é descartado.

As enzimas estudadas pela equipe (lipases e oxidases) estão presentes na casca – principalmente da cabeça – do camarão. Como a cabeça desse crustáceo em geral vai para o lixo, seu aproveitamento para extração das enzimas dá destino nobre a um grande volume de resíduos. De cada quilo de camarão consumido, cerca de meio quilo é descartado.

“O estudo nasceu da necessidade de buscar alternativas para remover substâncias tóxicas de águas poluídas com maior eficácia e menor custo”, conta o químico Jair Juarez, coordenador da pesquisa. “Os métodos utilizados atualmente apresentam inúmeras desvantagens, como alto custo, baixa eficiência para remover substâncias tóxicas e geração de subprodutos às vezes mais nocivos que os compostos degradados.”

Casca de arroz
A casca do arroz destaca-se entre outras fontes para extração de enzimas que degradam poluentes (foto: GST HBK / Wikimedia Commons).

A casca do arroz, a raiz do tomateiro e dejetos suínos, entre outrasfontes, também têm sido usados pela equipe da Unisul para a extraçãodas enzimas. Até o final do ano, os pesquisadores pretendem produzir ummix de enzimas que será usado em um filtro biológico para degradarmaterial tóxico descartado no meio ambiente. Esse filtro, uma vezliberado em corpos d’água poluídos ou em estações de tratamentoindustriais, absorverá diferentes substâncias tóxicas, graças à açãoaltamente específica das enzimas nele presentes.

Novas estações de tratamento

São muitos os métodos empregados hoje para remover e degradar resíduos industriais e domésticos lançados na água. Entre eles, destacam-se as oxidações físico-químicas, como a feita pelo peróxido de hidrogênio e pelo hipoclorito de sódio. Os processos que utilizam essas substâncias, além de interagir mais devagar com o poluente, são menos eficazes que os processos que envolvem as novas enzimas. O uso de métodos tradicionais, com temperatura e pressão elevadas, ácidos e álcalis fortes, necessários em muitos processos industriais, aumenta o perigo de liberação de substância tóxicas no local de trabalho e também os riscos para o meio ambiente.

Estação de tratamento de efluentes
Águas poluídas são drenadas para uma estação de tratamento de efluentes. Com o auxílio de filtros contendo as novas enzimas, a despoluição será mais rápida e efetiva (foto: Terence O’Brien).

“Os atributos das novas enzimas”, destaca o químico da Unisul, “vãopermitir o planejamento de estações de tratamento de efluentes maiseficientes e menores que as atuais, uma vez que a velocidade dedegradação dos poluentes será significativamente maior que a feitapelos métodos convencionais”. Se determinado volume de efluentes levauma semana para ser degradado em uma estação de tratamento tradicional,nas novas estações o mesmo volume deverá ser tratado, segundo oquímico, em apenas algumas horas.

O lançamento do filtro biológico depende da adaptação à temperatura do ambiente.

Mas o lançamento do novo filtro depende da solução de um problema crucial: sua adaptação à temperatura do ambiente em que deverá atuar. Segundo o pesquisador, o calor elevado pode desnaturar as enzimas e a baixa temperatura pode diminuir seu poder de ação, ao dificultar a velocidade das reações químicas.

Juarez explica que as enzimas agem adequadamente em temperaturas de 25 a 36 graus centígrados. Por isso sua equipe estuda a possibilidade de controlar a temperatura da água onde o tratamento for realizado. Se necessário aquecê-la, isso será feito a partir da queima do biogás gerado no processo.

Se o emprego do novo método de degradação da matéria orgânica de efluentes líquidos depender do consumo de camarão no Brasil, ele certamente terá sucesso. Dados da Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca, do governo federal, revelam que o consumo do camarão de cultivo aumentou cinco vezes no país nos últimos três anos. De acordo com a Associação de Pregoeiros de Pescados do Rio de Janeiro, o estado é um dos maiores consumidores de camarão do país (aproximadamente 23 quilos per capita ao ano). De todas as fontes exploradas pelos pesquisadores da Unisul para extração das novas enzimas, a cabeça do camarão é a principal delas.

 

Luan Galani
Especial para CH On-line / PR