Revestimento a toda prova

Certos locais, como cozinhas industriais e centros de saúde, exigem alto nível de assepsia. Pequenas concentrações de bactérias e outros microrganismos podem, em pouco tempo, causar grande número de contaminações. Assim, manter o ambiente livre de agentes contaminantes é indispensável. Mas o uso excessivo de produtos químicos e o grande número de procedimentos de higiene abrem uma brecha para novos problemas. Seria bom se as paredes e o piso dessas áreas tivessem uma espécie de proteção permanente contra microrganismos nocivos. Seria? A tecnologia já existe, mas só agora se tornou viável do ponto de vista industrial.

O químico Thiago Sequinel, da Universidade Estadual Paulista (Unesp, campus de Araraquara), desenvolveu um novo método para fixar nanopartículas de óxido de titânio e de prata (que têm propriedade bactericida) em azulejos de cerâmica. As peças são submetidas a pressão elevada e temperatura em torno de 450ºC. “Desse modo o filme não se desprende do azulejo ou de qualquer outro substrato no qual esteja aplicado”, explica Sequinel. O método representa um avanço em relação aos anteriores, que demandavam temperaturas na faixa de 700ºC para fixar a camada de nanopartículas.

O caráter bactericida persiste enquanto durar o azulejo

Após diversos testes, ficou comprovado que o caráter bactericida persiste enquanto a peça durar. Sequinel destaca ainda a segurança do produto. “Os óxidos que usamos são altamente estáveis e não oferecem risco para a saúde ou para o meio ambiente”, aponta, para alívio de quem olha com receio para produtos de nanotecnologia.

Ainda não se sabe o custo de fabricação do novo produto em escala industrial, já que os acordos com empresas produtoras de cerâmica ainda estão sendo negociados. Espera-se que a parceria entre o laboratório de pesquisa e a indústria se concretize ainda este ano. 

Azulejo com revestimento bactericida
Microscopia eletrônica de varredura do azulejo com revestimento bactericida criado pela equipe da Unesp. Observe o processo de formação do filme, conforme a temperatura aumenta. À esquerda, tem-se uma superfície cerâmica a temperatura ambiente. Mais à direita, vê-se o resultado da interação do filme com o azulejo, indicado por pequenos pontos brancos. Na terceira faixa ocorre um efeito de troca iônica, em que o filme impregna a superfície do substrato. No último estágio, vê-se uma camada homogênea do revestimento, obtida à temperatura de 450oC. Foto: Thiago Sequinel (Unesp, Araraquara).

Da iniciação científica ao doutorado

O caráter inovador da pesquisa exigiu grande criatividade dos pesquisadores. “Partimos do zero”, destaca Sequinel. “Tivemos que montar todos os equipamentos necessários para obter o revestimento nas condições desejáveis em temperaturas mais baixas.”

Tudo começou em 2004, quando ele participava de um projeto de iniciação científica na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, sob orientação do químico Sergio Mazurek Tebcherani. O objetivo, na época, era desenvolver um método para obter nanopartículas de óxidos em escala industrial. “Esse tipo de material pode ser usado para formar diferentes produtos, de pigmentos a revestimentos”, diz Sequinel.

Conforme a pesquisa (e a formação do próprio químico) avançava, o foco mudou para a exploração do poder bactericida das partículas. O resultado o leitor já conhece. Pelo mérito científico e por sua inovação, a pesquisa rendeu a Sequinel em 2009 o primeiro lugar na feira Idea to Product – Global Competition, realizada anualmente nos Estados Unidos.

Nesses seis anos de pesquisas, outras instituições brasileiras, além da Unesp e da UEPG, deram importante contribuição para o desenvolvimento da nova cerâmica bactericida.  Destacam-se entre elas a Universidade Tecnológica Federal do Paraná e a Fundação Getúlio Vargas.

Guilherme de Souza
Especial para a CH On-line / PR