Revistas médicas ajudaram a legitimar ataque ao Iraque?

As revistas médicas podem ter tido papel importante para legitimar junto à população o ataque anglo-americano ao Iraque. Esse é o argumento de Ian Roberts, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, em artigo publicado no British Medical Journal de 12 de abril. Segundo ele, ingleses e americanos não apoiariam a guerra se não acreditassem que seriam atacados. E, involuntariamente, as revistas médicas os convenceram disso. “Embora essas revistas não sejam lidas pela maioria, resumos dos artigos são publicados na grande imprensa e influenciam o público”, disse Roberts à CH on-line .

Logotipo das revistas em que Ian Roberts fez o levantamento de artigos publicados sobre bioterrorismo e armas biológicas

O pesquisador fez um levantamento do número de artigos publicados sobre bioterrorismo e armas biológicas de 1999 a 2001 em cinco importantes revistas médicas americanas e inglesas: Journal of the American Medical Association, British Medical Journal, The Lancet, New England Journal of Medicine e Annals of Internal Medicine . Ele comparou esse dado com o número de artigos publicados nas mesmas revistas sobre acidentes de trânsito — que matam cerca de 3 mil pessoas todos os dias e tornam outras 30 mil inválidas.

Nos primeiros anos, a proporção de artigos sobre acidentes de trânsito era muito maior. Mas a partir de 2001 isso mudou e os artigos sobre bioterrorismo se tornaram mais numerosos. No período em questão, foram publicados 124 artigos sobre esse assunto, 63% deles de origem americana. “George Bush financiou um grande esforço de pesquisa nessa área”, disse Roberts. “Mas isso não quer dizer que esse seja um tema importante para a saúde pública.” Segundo o professor, a importância do assunto foi superestimada pelas principais revistas médicas.

 

Ano Artigos sobre bioterrorismo Artigos sobre acidentes de trânsito 1999 2 18 2000 6 26 2001 44 22 2002 72 56
Fonte: Ian Roberts / BMJ

 

 

Roberts disse ainda à CH on-line que o conceito de bioterrorismo usado na maioria dos artigos é tendencioso e se refere apenas a formas de ataque biológico às quais as potências são vulneráveis (por exemplo, a contaminação por antraz sofrida por americanos em 2001). Mas, segundo ele, qualquer intervenção que prejudique a capacidade de um povo de resistir a doenças infecciosas é um tipo de ataque biológico. “Sob essa perspectiva, americanos e ingleses praticaram bioterrorismo contra o Iraque.”

O bombardeio de estações de fornecimento de água e tratamento de esgoto pode levar à rápida disseminação de doenças pela contaminação da água e comida ingeridas pela população. As sanções econômicas impostas ao Iraque também tiveram conseqüências desastrosas: pessoas que sofrem de deficiência alimentar têm menor resistência a microrganismos normalmente encontrados em toda parte, como a bactéria Escherichia coli . Desde o início das sanções, a taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos mais que dobrou.

Além disso, há destruição da infraestrutura de saúde pública e restrição à importação de medicamentos essenciais. “Só conheceremos nos próximos meses os efeitos dessa guerra”, diz Roberts. “Será necessária uma resposta humanitária efetiva para reduzir a tragédia causada por esse lamentável episódio da história da guerra biológica.”

Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
29/04/03