Rio de Janeiro vulnerável

Os efeitos das mudanças climáticas nas principais cidades do Rio de Janeiro já são inevitáveis e resta ao estado recorrer a medidas de adaptação e mitigação. É o que aponta o Relatório sobre as Vulnerabilidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro às Mudanças Climáticas, elaborado pela prefeitura carioca em conjunto com 29 pesquisadores de diferentes universidades e institutos de pesquisa fluminenses.

O documento – parte do projeto Megacidades, Vulnerabilidades e Mudanças Climáticas, coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – aponta o aumento do nível do mar, das ondas de calor e das chuvas fortes como os principais impactos das alterações do clima na região metropolitana do estado. De acordo com o estudo, essa combinação de eventos vai agravar ainda mais as já recorrentes inundações e deslizamentos de encostas.

“As zonas litorâneas, em geral, têm essa característica peculiar de combinar a elevação de nível do mar com eventos climáticos extremos”, disse Paulo Gusmão, coordenador do relatório e pesquisador do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à CH On-line durante a apresentação do estudo, ontem (7/4), no Palácio da Cidade.

Segundo o pesquisador, o caso do Rio merece atenção especial devido a sua grande dimensão demográfica e econômica. A região metropolitana fluminense é a maior conglomeração urbana da costa brasileira, com uma população de cerca de 11,5 milhões de habitantes. Além disso, abriga uma das mais importantes zonas portuárias do país.

Avanço do mar

De acordo com o relatório, grande parte do estado pode ficar submersa, até o final desse século, se não forem tomadas medidas de adaptação. Caso o nível do mar se eleve 1,5 metro, como prevê o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), até 10% da cidade do Rio de Janeiro pode ser tomada pelo mar. Esse valor é de 8% para São Gonçalo e 6% para Guapimirim.

Até 10% da cidade do Rio de Janeiro pode ser tomada pelo mar

O caso mais grave é o de Jacarepaguá, que vai receber a maior parte das obras para as Olimpíadas de 2016. As lagoas da região podem se expandir e atingir áreas ocupadas, como o bairro Itanhangá e a comunidade de Rio das Pedras.

Com o avanço do mar, as praias que hoje são limitadas por calçadões e avenidas, como as de Copacabana e Ipanema, sofreriam grandes danos. Para remediar a erosão provocada no litoral, os pesquisadores sugerem que se aumente a faixa de areia das praias. Assim, se criaria uma zona de amortecimento do impacto das ondas, impedindo a chegada da água às construções.

Mapa nível oceano RJ
O mapa mostra as áreas vulneráveis ao aumento do nível do oceano na região metropolitana do Rio de Janeiro. (fonte: Relatório sobre as Vulnerabilidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro às Mudanças Climáticas)

O fenômeno também deve prejudicar o escoamento das águas durante as chuvas. Os pesquisadores alertam para a possibilidade de as inundações atingirem os aterros sanitários próximos a rios e baías, como o de Itaóca, em São Gonçalo, e o de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, que recebe 70% do lixo coletado na cidade do Rio de Janeiro. 

“Essa situação pode fazer com que o chorume se misture à água e chegue até os afluentes, causando caos no sistema de coleta e doenças na população”, explicou o economista Sérgio Besserman, presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro e um dos porta-vozes do estudo.

Os constantes alagamentos também podem causar o aumento de surtos de leptospirose e dengue. Esta última favorecida não só pela disponibilidade de água para o mosquito transmissor pôr os ovos, como também pelo aumento previsto da temperatura, que acelera o ciclo de reprodução do inseto.

Biodiversidade ameaçada

O aumento do nível do oceano deve ainda comprometer a biodiversidade da região. Segundo o relatório, animais e plantas que habitam zonas costeiras podem ser extintos, algas tóxicas podem proliferar e os manguezais, que funcionam como berço para muitos peixes, correm o risco de serem reduzidos devido à presença da água salgada.

Em relação à temperatura, o estudo prevê um aumento de 4,8 graus centígrados até o final do século. Esse quadro, aliado às fortes chuvas, ameaça as florestas, especialmente das encostas serranas e dos maciços litorâneos.

Se o cenário otimista do IPCC se concretizar – com um aumento da temperatura de 2 graus centígrados – haveria uma redução de 25% na ocorrência das espécies nativas de árvores da Mata Atlântica. No cenário mais pessimista – em que a temperatura se elevaria 4 graus centígrados – as espécies seriam reduzidas à metade.

“Nos atrasamos e não há mais como cumprir o objetivo de não ultrapassar 2º C na temperatura do planeta”, afirmou Besserman. “No entanto, está em nossas mãos escolher se vamos ficar perto dos 2º C ou se vamos viver um cenário bem mais complicado de até 7º C, como preveem pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.”

É preciso se adaptar

Para os pesquisadores envolvidos no estudo, todas essas alterações podem ser contornadas com a adaptação adequada dos municípios por meio de ações políticas integradas e do conhecimento científico. 

“É possível nos adaptarmos aos impactos que vêm pela frente e, embora isso inclua custos novos e significativos, o retorno desse investimento, de uma nova relação das cidades com a natureza, nos permitirá construir uma região metropolitana ainda melhor”, afirmou Besserman.

As alterações podem ser contornadas com a adaptação adequada dos municípios

Segundo Gusmão, para que isso aconteça, é necessário conjugar ações de engenharia, como sistemas de escoamento e de alerta de catástrofe, com mais pesquisas sobre marés, temperatura e pluviosidade.

“Nós temos uma base de conhecimento muito precária com lacunas muito grandes e isso afeta a nossa capacidade de dimensionar o problema e dizer o que pode ser feito.”

Com o objetivo de tapar esse gargalo, o pesquisador e os demais autores do relatório organizam um encontro entre as universidades, as prefeituras e o governo do estado para definir uma agenda de trabalho com planos de pesquisas, adaptação e monitoramento das mudanças climáticas.

“A ideia é que os pesquisadores sigam em rede atuando com os agentes econômicos e o governo; avançando juntos porque sozinho nenhum de nós vai dar conta”, concluiu Gusmão.

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line