Riqueza subterrânea


O mau uso da água, superficial ou subterrânea, expõe a necessidade de valorizar esse bem.

A demanda crescente por água doce tem pressionado o último reservatório desse bem precioso – as águas subterrâneas –, colocando em debate a necessidade de taxar o seu uso. Três experiências de fixação de tarifas, duas para águas subterrâneas e uma para águas superficiais, foram discutidas em uma mesa-redonda durante o 14° Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, realizado entre os dias 7 e 10 de novembro em Curitiba (PR).

O engenheiro civil Jaildo Santos Pereira, da Universidade Federal de Alagoas, destacou o fato de a cidade de Maceió, mesmo cercada de água, enfrentar problemas para abastecer sua população. “Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar”, disse Pereira, parafraseando o cantor Djavan. Segundo o engenheiro, o mau uso da água, superficial ou subterrânea, expõe a necessidade de valorizar esse bem. “É uma forma de conscientizar o usuário de que a água é um recurso finito”, explicou.

De toda a água usada pela Companhia de Abastecimento de Água e Saneamento de Alagoas (Casal) para atender aos quase 900 mil habitantes da região metropolitana de Maceió, três quartos são extraídos de reservas subterrâneas. Até hoje, o recurso foi obtido a custo zero. “Em residências com pouca gente, vale a pena usar o serviço da Casal, mas edifícios maiores arcam com o investimento inicial e têm seus próprios poços”, disse Pereira, acrescentando que mais de mil poços particulares da região pressionam os aqüíferos.

A taxação dessa água exige a formação de comitês de bacias que negociem os valores com o Conselho Regional de Recursos Hídricos. O preço levará em conta o uso da água: enquanto a Casal terá preferência, comércio e indústria pagarão respectivamente quatro e seis vezes mais. “Para fazer a cobrança da água, é preciso que haja legitimidade política, e a sociedade deve entrar na discussão.”

O engenheiro Rui Brasil Assis durante sua exposição no congresso realizado em Curitiba (PR). (Foto: Róbson Cardoso/ Assessoria de Comunicação do 14° Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas)

Água tarifada em 2007
Desde a década de 1980, o estado de São Paulo discute a cobrança de águas subterrâneas, que começa a valer em 2007. Segundo o engenheiro civil Rui Brasil Assis, da Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento de São Paulo, dos 417,2 m3/s demandados pela população do estado, apenas 14% vêm de reservas subterrâneas. A exploração dessa águas ainda é pequena – 18% de todo o potencial –, mas esse valor não se distribui uniformemente pelo estado.

Primeiro serão taxados os usos urbano e industrial e, após 2010, as propriedades rurais e o uso doméstico. A diferença dos valores se baseia em 13 coeficientes ponderadores (sete deles aplicados já em 2007), como natureza do corpo d’água, disponibilidade hídrica do local, finalidade do uso da água, entre outros. As informações entram no banco de dados que calcula o preço final. “Na França, recomenda-se que o preço da água subterrânea seja o dobro do da água superficial. No Brasil, essa supervalorização não colou; cobra-se apenas 10% a mais”, sintetizou Assis.

Águas superficiais
O rio Paraíba do Sul nasce nas imediações da cidade paulista de Areias e corta os estados de São Paulo, Rio e Minas Gerais, banhando 180 municípios. Para exemplificar a cobrança pelo uso da água, o prefeito de Jacareí e presidente do Comitê da Bacia do Rio Paraíba do Sul, Marco Aurélio Souza, explicou como é feita a taxação na bacia.

Para Souza, a cobrança exige legitimidade política. Por isso, há um dispositivo no cálculo da tarifa, o coeficiente de gestão (Kgestão), que obriga o governo federal a aplicar os recursos arrecadados na região. Se houver descumprimento do contrato pela Agência Nacional de Águas, pessoa jurídica responsável pela bacia, ou não houver previsão de investimentos na bacia, o Kgestão equivale a zero, que, multiplicado pelo valor gasto, também anula o custo da água. A arrecadação anual da bacia chega a R$ 6 milhões, e parte dessa quantia é aplicada em atividades na área, como educação ambiental. 

Murilo Alves Pereira
Especial para Ciência Hoje On-line/ PR
14/11/2006