Robôs cientistas

O uso de robôs em laboratórios não é uma novidade. Nesses ambientes científicos, eles costumam executar ações repetitivas e de alta precisão. Mas uma nova geração dessas máquinas pode fazer muito mais do que isso. São os chamados robôs cientistas.

Além de realizarem tarefas similares as de seus tios e avós, são capazes de formular hipóteses, determinar que experimentos devem ser feitos e fazê-los. Analisam ainda os resultados obtidos e decidem sobre os próximos passos a serem dados.

Adam e Eve são os primeiros exemplares do gênero. Criados na Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, mostram como o desenvolvimento dessas máquinas pode transformar o cotidiano da produção do conhecimento científico.

“Adam é no mínimo tão bom quanto o melhor ser humano”, garante Ross King, chefe do Departamento de Ciência Computacional da Universidade de Aberystwyth e coordenador do projeto Robôs Cientistas.

Cada um dos robôs pode fazer mais de mil experimentos por dia

A iniciativa, financiada pelo Conselho de Pesquisa em Biotecnologia e Ciências Biológicas (BBSRC) do Reino Unido, visa eliminar o gargalo existente entre a geração de dados a partir de equipamentos laboratoriais automatizados e a interpretação dessas informações por cientistas de carne e osso.

King destaca a vantagem de as máquinas não precisarem de descanso e manterem sempre a mesma precisão. “Cada um desses robôs pode fazer mais de mil experimentos que geram cerca de 200 mil resultados diariamente”, afirma.

Ross King
Ross King, da Universidade de Aberystwyth e coordenador do projeto Robôs Cientistas, posa ao lado da máquina precursora de Adams. Para ele, o primeiro robô cientista é tão bom quanto um ser humano. (foto: Universidade de Aberystwyth)

O coordenador e outros pesquisadores do projeto apresentaram estudos envolvendo os dois robôs cientistas no workshop sobre biologia sintética e robótica promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Consulado Geral Britânico no fim de fevereiro (24/2), na capital paulista.

Adão, o pioneiro

Adam, nome do primeiro robô cientista, é uma mistura de A Discovery Machine (uma máquina de descobertas, em português) com uma homenagem ao economista Adam Smith, pai das teorias sobre divisão do trabalho.

É ainda uma referência ao Adão bíblico, considerado por muitos o primeiro cientista humano, já que teria dado vida à Eva a partir da sua segunda costela.

O robô, finalizado em 2008, vem sendo usado em pesquisas que visam determinar as funções de alguns genes na levedura Saccharomyces cerevisiae, um dos organismos mais bem estudados pela ciência e que possui apenas 10% de seus quase 6 mil genes com papel desconhecido.

Adam localiza ‘enzimas órfãs’ para tentar encontrar os genes que ainda não têm funções e os testa procurando seu papel

“O robô localiza ‘enzimas órfãs’ para tentar encontrar os genes que ainda não têm funções e os testa procurando seu papel”, explica King.

“Ele prepara experimentos, monitora o desenvolvimento de cepas de leveduras crescendo em condições diversas e analisa os dados dos estudos”, completa Elizabeth Bilsland, pesquisadora brasileira formada na Universidade de São Paulo e hoje na Universidade de Cambridge (Reino Unido), parceira da Universidade de Aberystwyth nas pesquisas com os robôs.

Bilsland conta que o robô já conseguiu identificar funções para genes previamente desconhecidos, o que rendeu aos pesquisadores envolvidos a publicação de um artigo na Science e outro na Nature.

Doenças tropicais

Já Eve ajuda pesquisadores britânicos na busca de novas drogas para o tratamento de doenças tipicamente brasileiras, como a esquistossomose, malária, leishmaniose e doença de Chagas. 

Ela trabalha com a mesma Saccharomyces cerevisiae que Adam usa em seus experimentos, utilizando a levedura como base para expressar genes de interesse de outros organismos e procurar novas drogas de uma maneira direcionada.

“No momento, estamos utilizando cepas de leveduras expressando enzimas essenciais para diversos parasitas – Trypanosoma cruzi, Leishmania major, Plasmodium vivax, entre outros – e as enzimas homólogas (com sequência e função semelhantes) dos seres humanos. Assim, podemos procurar drogas que inibam o crescimento de leveduras com enzimas de parasitas, mas não tenham efeitos colaterais por afetarem enzimas de humanos”, explica Bilsland.

Robô cientista Eve
Eve representa a segunda geração de robôs cientistas. Atualmente, ela trabalha na busca de novas drogas para o tratamento de doenças tipicamente brasileiras, como a esquistossomose, malária, leishmaniose e doença de Chagas. (foto: Universidade de Aberystwyth)

Segundo a pesquisadora, rastreando bibliotecas de drogas com grande diversidade química (como a MayBridge HitFinder) e drogas já aprovadas para uso em humanos, Eve identificou mais de 200 drogas que potencialmente inibem o desenvolvimento de um ou mais parasitas e não afetam os seres humanos.

O robô conseguiu ainda encontrar semelhanças entre essas drogas, ajudando a direcionar novas experiências que serão realizadas em parceria com diversos laboratórios, inclusive no Brasil, já trabalhando com os parasitas.

“Muitas das drogas que mostraram alto grau de especificidade e eficácia contra Plasmodium vivax – parasita causador da malária – e Trypanosoma cruzi – causador da doença de Chagas – já são aprovadas para outros usos em humanos”, afirma Bilsland. Isto facilitaria sua aprovação para o tratamento das doenças pesquisadas.

Rafael Foltram
Ciência Hoje On-line/ SP