Na resenha que realiza sobre o livro O despertar de tudo: uma nova história da humanidade, de David Graeber e David Wengrow, Lucas Cabral nos apresenta uma discussão sobre a trajetória da espécie humana, a partir do conceito de teleologia. Determinada visão de humanidade, herdeira do Iluminismo do século 18, hierarquizou as sociedades de acordo com suas capacidades tecnológicas, ou seja, de acordo com sua capacidade de intervir sobre a natureza (entendida como um conjunto do qual os seres humanos se encontram separados). Dessa forma, a história da humanidade seria a história do desenvolvimento dessas tecnologias, lida como um caminho linear e positivo. Por esse motivo, sociedades do presente com outros tipos de desenvolvimento tecnológico tendem a ser classificadas como atrasadas. A partir da presente resenha, podemos propor uma atividade pedagógica questionando essa teleologia, utilizando um conjunto de notícias bastante recente, relativo ao genocídio do povo Yanomami.
A aula pode começar com uma nuvem de palavras, objetivando que os alunos expliquem o que entendem por sociedades mais ou menos evoluídas. É muito provável que a dimensão tecnológica seja mencionada, o que pode ser um mote para o trabalho com alguma reportagem discutindo a situação de calamidade vivida pelos Yanomami, com mais intensidade a partir de 2021, com o aumento brutal do garimpo ilegal na região (alguns exemplos de reportagens se encontram no Explore +).
Sugere-se a exibição de vídeos que registram a presença do garimpo em terras Yanomami, como o trecho (entre os minutos 3’40 e 4’13 do vídeo) O garimpo ilegal em terras ianomâmi, que mostra a montagem de estruturas de garimpo e dragas de sucção para mineração. A partir daí, o/a professor/a deve conduzir um debate sobre o tipo de tecnologia utilizado: ele seria considerado típico de grupos “evoluídos”? Em seguida, imagens da devastação causada pelo garimpo devem ser discutidas: será essa a consequência da “evolução da humanidade”, a destruição dos vários agentes que habitam o mundo, humanos e não humanos?
Depois disso, o modo tradicional de vida dos Yanomami pode ser discutido (sugere-se a leitura do material disponível na plataforma do Instituto Socioambiental ISA, elencado no Explore +, que traz uma linguagem próxima à dos alunos). A partir daí, vários comentários podem ser feitos:
Esses elementos devem contribuir à discussão de que não existe um único caminho para a humanidade, que somos muito diversos, inclusive em termos tecnológicos – o conhecimento dos Yanomami sobre a floresta é uma importante tecnologia, cujo uso tem como resultado a garantia da existência da floresta, e não a sua destruição.
Por fim, toda essa atividade pode levar à relativização da ideia, muito comum, de que “os seres humanos destroem a natureza”. Quais humanos fazem isso? Aqueles formados na tradição ocidental com certeza. Mas existem muitas outras humanidades.
Como avaliação, propõe-se uma atividade a partir de algum trecho do livro A queda do céu, de Davi Kopenawa Yanomami e Bruce Albert, em especial o trecho a seguir, presente no capítulo 15:
“Foi quando os garimpeiros chegaram até nós que realmente entendia de que eram capazes os napë! Multidões desses forasteiros bravos surgiram de repente, de todos os lados, e cercaram em pouco tempo todas as nossas casas. Buscavam com frenesi uma coisa maléfica da qual jamais tínhamos ouvido falar e cujo nome repetiam sem parar: oru – ouro. Começaram a revirar a terra como bandos de queixadas. Sujaram os rios com lamas amareladas e os enfumaçaram com a epidemia xawara de seus maquinários. Então, meu peito voltou a se encher de raiva e angústia, ao vê-los devastar as nascentes dos rios com voracidade de cães famintos. Tudo isso para encontrar ouro, para os outros brancos poderem com ele fazer dentes e enfeites, ou só para esconder em suas casas! Naquela época, eu tinha acabado de aprender a defender os limites de nossa floresta. Ainda não estava acostumado à ideia de que precisava também defender suas árvores, seus animais, seus cursos d’água e seus peixes. Mas entendi logo que os garimpeiros eram verdadeiros comedores de terra e que iam devastar tudo na floresta”.
FERNANDES, Samuel. Entenda a crise de saúde yanomami, que levou o governo a decretar emergência. Reportagem da Folha de São Paulo, 21 jan. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2023/01/entenda-a-crise-de-saude-yanomami-que-levou-o-governo-a-decretar-emergencia.shtml#:~:text=As%20supostas%20fraudes%20resultaram%20na,2022%2C%20apenas%203.555%20receberam%20tratamento
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
O garimpo ilegal em terras ianomâmi. Reportagem do Jornal O Globo na plataforma Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4peXoP4lVGI
Yanomami. Verbete de Povos Indígenas do Brasil, realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami