Salvos pelo muco

Um pesquisador raspa o muco que recobre as escamas de um tambacu e o devolve ao tanque onde é criado. Na manhã seguinte, o peixe está morto, com uma infecção exatamente no lugar de onde o muco foi retirado. Situações assim levaram a bióloga Cristiane Martins Cardoso de Salles a estudar essa secreção após se tornar pesquisadora visitante do Laboratório de Bioquímica de Proteínas e Peptídeos, da Fundação Oswaldo Cruz. Ela constatou que o muco possui substâncias que protegem os peixes do ataque de bactérias e fungos. Tais elementos podem servir para reduzir os custos da criação comercial dos peixes e ainda para criar novos fármacos para o tratamento de doenças humanas.
 
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O tambacu é um peixe híbrido obtido a partir do cruzamento do tambaqui e do pacu.

Muito valorizado para a criação comercial (aqüicultura), o tambacu é um híbrido obtido a partir do cruzamento de duas espécies: o tambaqui ( Colossoma macropomum), resistente a pragas, e o pacu ( Piaractus mesopotamicus), que engorda e cresce mais rápido. Durante a pesquisa, o muco da pele de cerca de 20 tambacus anestesiados foi raspado e sua composição protéica analisada. Depois disso, os peixes eram sacrificados. “A infecção causada por microrganismos é muito forte e letal”, afirma Cristina. “O muco demoraria mais tempo para ser produzido do que o tempo de crescimento microbiano na pele do animal.”

 
A bióloga descobriu que o segredo da proteção exercida pelo muco está em sua composição, que inclui, entre outros componentes, dois tipos de substâncias que podem matar os microrganismos ao atacar suas membranas. A secreção contém proteases que quebram as proteínas existentes na parede da célula invasora e peptídeos que se inserem entre a dupla camada de lipídios da membrana e abrem buracos na mesma.
 
Essas substâncias, principalmente os peptídeos, podem ser a chave para o desenvolvimento de fármacos mais eficazes para seres humanos e animais. O melhor entendimento das características e dos mecanismos de ação das proteases pode levar ao desenvolvimento de vacinas e moléculas que previnam doenças em animais aquáticos. Atualmente, essas substâncias são muito utilizadas na indústria, principalmente a alimentícia, onde auxiliam no controle do crescimento microbiano. As proteases são ainda as enzimas responsáveis pela produção dos peptídeos antimicrobianos, que já são alvo de vários estudos que podem levar à criação de novos fármacos.
 
A aqüicultura também pode se beneficiar dessas descobertas. Os gastos com antibióticos nessa atividade são muito elevados, pois a ocorrência de pragas é comum e desastrosa economicamente. “A quantidade de peixes criada junta é muito grande, o que favorece a transmissão de qualquer infecção”, explica Cristiane. O tratamento com antibióticos é talvez a maneira mais rápida de combater doenças bacterianas na aqüicultura, mas pode levar ao aumento da virulência dos patógenos.
 
Drogas baseadas nos compostos estudados por Cristiane podem ser alternativas com menos efeitos colaterais do que os antibióticos atuais. Porém, a elaboração desses medicamentos ainda está distante. Por enquanto, a meta da pesquisadora é estabelecer o comportamento dos peptídeos antimicrobianos em culturas de bactérias como a  Staphylococcus aureus , uma das principais responsáveis por infecções hospitalares. “Além disso, já começamos a estudar o muco de outros peixes, como pacus, tambaquis e tilápias”, conta. 


Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
25/06/05