Uma enzima presente no veneno da jararaca é capaz de matar o Trypanosoma cruzi , parasita causador da doença de Chagas. Pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) identificaram o componente responsável por inibir o crescimento do protozoário e demonstraram as alterações sofridas por ele durante o tratamento com o veneno.
Bothrops jararaca (foto: Giuseppe Puorto/Instituto Butantan)
Em sua dissertação de mestrado, a bióloga Poliana Deolindo mostrou que o peróxido de hidrogênio (H 2 O 2 ), um dos produtos da reação da enzima L-aminoácido oxidase com aminoácidos livres, é letal para o parasita. “Quando descobrimos que o H 2 O 2 era o responsável pela inibição do crescimento do T. cruzi , ficamos meio frustrados, pois é muito delicado trabalhar com esse composto”, disse Poliana.
“Ele também é tóxico para as células humanas.” Embora as células de mamíferos apresentem enzimas que convertem esse produto em outros menos nocivos, um remédio que tivesse como composto reativo o peróxido de hidrogênio seria extremamente perigoso.
No laboratório, a bióloga observou as seguintes alterações nos parasitas após a aplicação do veneno: aumento do volume da mitocôndria (organela responsável pela respiração celular), fragmentação de DNA nuclear e exposição de fosfatidilserina (fosfolipídio importante encontrado nas membranas celulares, mas somente na lâmina interna em contato com o citoplasma) na superfície da célula. Essas mudanças caracterizam um processo chamado apoptose, em que a célula ‘programa’ sua própria morte.
Em 1994, cientistas franceses haviam mostrado a inibição do crescimento do T. cruzi após tratamento com o veneno das serpentes Cerastes cerastes e Naja haje . Em 1997, pesquisas na Uenf demonstraram que o veneno da jararaca também inibia o crescimento do parasita. Porém, é a primeira vez que se aponta a enzima responsável e as alterações causadas no parasita.
Em A, parasitas causadores da doença de Chagas antes do tratamento com o veneno de jararaca. Após o tratamento (B), as células do T. cruzi ficam arredondadas e menores (fotos: Poliana Deolindo)
Segundo dados Organização Mundial da Saúde, a doença de Chagas, encontrada apenas no continente americano, atinge de 16 a 18 milhões de pessoas em 21 países e mais 100 milhões ainda correm o risco de contraí-la por meio da picada do barbeiro ou transfusão de sangue. Ainda não há tratamento eficaz para a doença e cerca de 27% das pessoas infectadas desenvolvem os problemas cardíacos relacionados à doença, que podem levar à morte.
O estudo, orientado pelos professores Elias Walter Alves e Renato Augusto DaMatta, da Uenf, teve financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) e da Fundação Estadual do Norte Fluminense (Fenorte).
Liza Albuquerque
Ciência Hoje On-line
26/11/03